domingo, 10 de outubro de 2010


Capítulo 7


Auto-Controlo



            Talvez fosse o destino, talvez estivesse premeditado… mas ainda assim, eu gostava mais de pensar que era apenas sorte. E sorte era algo que eu raramente tinha.
            A minha segunda semana na Blackstone Private School correu lindamente. No sentido literal da palavra. Sem uma só interferência da Kalissa. Ela não tentou ganhar o controlo por uma única vez, o que até era estranho. Mas talvez eu estivesse a conseguir mantê-la longe porque tinha todos os segundos dos meus dias controlados. Eu não me distraía das minhas acções nem só um bocadinho. E embora tivesse medo que durante o sono ela se apoderasse do meu corpo, isso não aconteceu.
            Niza, Sophie e Ryan pareciam muito mais descansados por verem que eu estava de volta, ou como eles diziam, "a Kiara que nós adoramos". Descobri que me sentia realmente bem com eles, e a rotina ali dentro era satisfatória. Aquele castelo deixou de me causar arrepios e passei a encará-lo como uma casa enorme que agora também era um bocadinho minha.
            John estava encantado por Kalissa se manter à distância. A aversão dele pelo meu alter-ego era cada vez mais forte e quando ele me contou a discussão que tivera com ela no Domingo, acabando por ter de ceder ao capricho dela, eu percebi que ela estava mais forte e confiante. Cada vez mais difícil de controlar. Talvez nem John conseguisse pôr-lhe um travão. Mas então, como é que eu podia controlá-la? Se ela quisesse fugir do castelo a qualquer altura e voltar para Auburn conseguiria fazê-lo. Se os assassinos dos meus tios a descobrissem e a caçassem eu não podia fazer nada. A minha vida estava nas mãos daquela víbora odiosa.
            Aquele pesadelo não me saiu da cabeça, mas agora eu pensava menos vezes nos meus tios. O choque da morte deles estava a escoar-se do meu ser, permitindo-me pensar melhor nas situações e encará-las de uma maneira diferente. Agora eu tinha de me preocupar com outros assuntos.
            Sendo o principal deles manter os meus amigos a salvo.
            Nessa segunda semana, as aulas correram bem e os professores elogiaram os meus esforços. No Sábado voltei a ir com Niza e Sophie para a clareira da árvore velha e ficámos lá a conversar durante horas a fios. Agora que já tinha passado mais tempo com elas, conseguia entendê-las muito melhor. Um dos desafios de que eu mais gostava era tentar compreender aquelas duas raparigas que me tinham acolhido sem qualquer hesitação, que tinham aberto uma porta do seu grupo tão especial para mim.
            Niza era, numa só palavra, espectacular.
            Sempre acreditei que todas as pessoas tinham um dom especial, uma característica que sobressaía mais que todas as outras mas que nem sempre era visível para as pessoas mais distraídas. E só quando nos concentrarmos realmente na tarefa de descobrir o dom de uma certa pessoa o conseguimos achar. O dom da Niza era a lealdade. Não devia haver ninguém mais leal que ela em todo o mundo. E eu tinha a certeza que quanto mais tempo vivesse com ela mais essa característica se aprofundaria em relação a mim. Tinham sido precisas apenas duas semanas para que eu começasse a confiar nela e ela em mim. A ingenuidade dela podia ser considerada como um defeito… se ela não arranjasse maneira de a tornar absolutamente adorável. Ela via o mundo todo a cor-de-rosa. Raramente estava sem sorrir. É claro que conseguia ver o lado mau nas coisas, mas não era tão directa a apontá-lo ou a reclamar sobre algo, tal como Sophie fazia.
            Sophie era diferente. Apesar de ser linda, não passava a vida a gabar-se. Era sincera, não tinha papas nenhumas na língua. O dom dela foi mais difícil de descobrir, foram precisas muitas mais conversas para eu conseguir descobri-lo. Sophie era forte, mais corajosa que a maioria das pessoas que eu conhecia. Não tinha a coragem estúpida e enervante de Kalissa, não fazia tudo o que lhe passava pela cabeça só porque sabia que ninguém a travaria. Não. Sophie era corajosa porque conseguia superar qualquer obstáculo. Fosse qual fosse o problema ela empenhava-se seriamente para descobrir uma solução. Mas tal como Niza, também era muito leal. E tinha uma característica que eu conseguia adorar: conseguia falar sobre maquilhagem, roupas e acessórios durante horas a fios sem se cansar e sem parecer maçadora. Sabia os nomes dos actores e das actrizes todos de cor, os filmes, os livros, os espectáculos, as músicas, os cantores, as cantoras, os compositores… era como uma enciclopédia andante. E isso era uma qualidade fantástica.
            Ryan era… bem, o primeiro amigo que eu alguma vez tive. Quer dizer, um amigo com a minha idade. Apesar de ele não querer mostrar, eu sabia que andava apaixonadíssimo por Sophie e ela por ele. Nunca me atrevi a fazer um comentário mauzinho sobre isso, ou Niza ainda começava a reclamar comigo por estar a ser indelicada. Mas eu sentia que Ryan e Sophie ficariam maravilhosamente juntos. Ryan era giro, tinha um sentido de humor que passava as barreiras do inacreditável (talvez a capacidade de divertir toda a gente à sua volta fosse mesmo o seu dom) e conseguia manter uma conversa de jeito durante muito tempo. Durante aquelas duas primeiras semanas que passei no colégio ele mostrou-se fantástico comigo. Tornou-se numa espécie de amuleto. Sempre que me via mais em baixo ou à beira de um ataque de nervos vinha para junto de mim e era como se só a sua presença bastasse para me alegrar instantaneamente. Tal e qual um amuleto.
            Peter e Chris, apesar de estarem menos vezes connosco, também eram simpáticos e esforçavam-se por se darem bem comigo. Peter principalmente. Sophie estava sempre a tentar juntar-nos - ela conseguia fazer de Cúpido na perfeição - mas eu não tinha cabeça para namorar com ninguém naquele momento, apesar de Peter ser giro e interessante e divertido e compreensivo. Até podia andar com ele dali a uns tempos… muito tempo mesmo…
            Além de que a minha falta de experiência em termos de rapazes era uma barreira quase inultrapassável. Eu nunca tivera um namorado, a relação mais longa que tivera com um rapaz tinha atingido a meta de três meses, quando Kalissa finalmente decidira humilhá-lo em frente a todos os amigos dele, acabando definitivamente com a amizade que eu estava a construir com esse rapaz. Enfim… aquela miúda era mesmo venenosa…
            Mas fiquei feliz por ela se estar a manter à distância durante aquela semana. Dava-me oportunidade de viver mais calmamente, sem andar sempre em puro estado de stress, à espera que ela atacasse.
            Depois de termos passado o Domingo a estudar afincadamente para os testes que tínhamos na semana seguinte, e de eu ter rastejado até à cama por volta da uma da manhã, completamente estafada, sentia-me pronta para o que quer que ainda estivesse para vir. A segunda-feira correu bem e aproveitámos o serão para estudarmos só mais um bocadinho antes do teste de Filosofia, que teríamos no dia seguinte.
            O teste correu-me bem. Estava super nervosa porque Niza dizia que os testes ali do colégio eram difíceis, mas até acabei por saber responder a todas as perguntas. Senti-me tão feliz durante toda a hora de almoço que nem quis pensar no teste de Matemática, no dia seguinte.
            Só que a hora de almoço teve um pequeno incidente.
            Estávamos, eu e Sophie e Niza, sentadas na mesa do 11º ano à espera que os rapazes chegassem para nos irmos servir, mas quando eles chegaram Peter chamou a minha atenção. Parecia preocupado.
            - O que foi Peter? - Perguntei baixinho.
            Mas nesse momento as Raparigas da Claque passaram por nós e uma delas lançou um olhar tão venenoso ao meu amigo que eu própria me arrepiei. O que é que se passava? Que eu me lembrasse… aquela era a namorada de Peter… por que é que estaria a olhá-lo daquela maneira?
            - Uau… acabaste mesmo com ela? - Riu-se Niza.
            - Sim. Já não a suportava mais.
            Sophie piscou-me o olho sorrateiramente e eu soube logo o que ela achava daquela situação toda: Peter tinha acabado com a namorada por minha causa. Oh por amor de deus, era só o que mais me faltava, ganhar fama de quebra-corações. Logo eu…
            A tarde foi passada entre as aulas de Inglês e Educação Física, onde finalmente deixámos o basebol para nos dedicarmos ao andebol. Para mim era muito mais fácil jogar andebol. Não tinha de estar com extrema atenção à coordenação entre olhos e mãos e pernas. Niza e Sophie também gostavam mais do segundo desporto. O professor elogiou a nossa melhoria nas aulas.
            Só Mariah é que reclamou, pois preferia ter ficado em basebol. Vê-la jogar deixaria qualquer um de queixo caído. Ela corria mais que a maioria das miúdas do castelo, e ainda conseguia manter aquela pose convencida que tinha sempre. A lançar tinha uma elegância que causava inveja. Sophie, principalmente, odiava ver Ryan a babar-se para Mariah quando ela lançava a bola.
            Nunca mais tornei a dar-me com os Desportistas e as Raparigas da Claque depois daquele pequeno incidente com Kalissa, e eles também pareceram mais ou menos esquecer-se da minha presença. Mas felizmente Mariah não passou a ser arrogante para mim, muito pelo contrário: falava-me sempre bem, cumprimentava-me quando eu passava por ela e convidava-me por diversas vezes para almoçar ou jantar com eles. No entanto, eu arranjava sempre uma maneira educada de rejeitar os seus convites.
            Não sei o que é que Kalissa lhe fez para ela ter ganho tanto respeito por mim, mas só esperava que não a tivesse magoado a sério e que o respeito na verdade fosse medo.
            Além isso, a minha vida ali dentro estava a ser bastante fácil. A única coisa que me assustava era não saber quando Kalissa voltaria a atacar, nem saber como me proteger dela.

           
            Na noite de quinta-feira, o meu grupo estava reunido na Sala de Convívio a ver uma comédia qualquer que passava na televisão plasma. Estávamos todos de olhos pregados na televisão, rindo-nos em conjunto de vez em quando. Ryan estava sentado num dos sofás, com o braço em volta dos ombros de Sophie, que parecia ir comer os actores da televisão só com os olhos; Niza estava sentada no tapete fofo do chão, com a cabeça apoiada nos joelhos de Sophie, também muito concentrada no filme. Chris tinha a poltrona só para si, enquanto eu estava sentada no outro sofá, com Peter ao meu lado. Eu estava muito concentrada no filme, tentando entender o que iria acontecer a seguir, pelo que nem notei quando Peter se chegou mais para mim. Não foi apenas ignorar: foi não reparar mesmo.
            - Kiara… - Murmurou ele.
            - Sim? - Perguntei, sem tirar os olhos do ecrã.
            Ele ficou em silêncio durante mais dez ou quinze minutos e eu até pensei que ele não fosse falar mais, mas depois o seu braço musculado passou em volta dos meus ombros, apertando-me contra si.
            Durante uns instantes eu não soube o que fazer. Fiquei paralisada pela hesitação, e o meu queixo descaiu-se com a surpresa. OK… o que é que ele estava a fazer? Ou pelo menos, o que é que ele se preparava para fazer? Não arrisquei olhar para ele, mas Peter parecia muito calmo, continuando a ver o filme com atenção, embora a sua mão estivesse pousada sobre o meu braço. Eu inspirei fundo, tentando manter a calma. Ele ainda não estava a fazer nada de mal… não havia razão para entrar em pânico.
            - Tu conseguiste sair do castelo no outro fim-de-semana, não foi? - Sussurrou ele ao meu ouvido.
            Ao fim de uns segundos eu fui capaz de dizer que sim com a cabeça, enquanto esta se enchia de perguntas, ideias e suposições sobre o que poderia levar Peter a querer saber aquilo.
            - Por que é que perguntas?
            - Bem… estava a pensar… podíamos ao cinema, o que achas?
            Eu tentei fazer com que as mãos parassem de tremer. Cruzei os braços para as manter quietas e esforcei-me mesmo para eliminar a ruga de tensão que se tinha formado entre as minhas sobrancelhas.
            - Hum… ao cinema…
            - Sim. E podemos comer um gelado se quiseres.
            O que é que se estava a passar? O que é que ele queria? Cinema, gelado? Comigo? Porquê?
            - Eu não acho má ideia mas…
            - Se não quiseres vir eu compreendo. Mas pensei que seria fixe irmos dar uma volta, só os dois.
            OK… ele estava mesmo a convidar-me para sair.
            Como se estivesse a ouvir a nossa conversa, Sophie cravou os seus astutos olhos cor de caramelo nos meus e um sorriso provocador desenhou-se nos seus lábios. Ah, boa, eu não sabia que ela tinha super audição. Pensava que estava concentrada no filme e afinal estava a ouvir a nossa conversa. Suspirei. Com Sophie a apoiar Peter era impossível escapar-me daquilo, além de que não queria magoá-lo. Que mal podia ter uma ida ao cinema?
            - OK… eu vou falar com Mr. Clarckson e ver se ele me deixa ir…
            - Achas que é preciso eu também ir falar com ele? - Perguntou Peter.
            - Não, deixa estar, eu falo. - Apressei-me a responder.
            Um sorriso vitorioso desenhou-se nos lábios de Peter enquanto ele me apertava mais contra o seu peito. Lancei um olhar desesperado para Sophie, que me piscou o olho de modo matreiro. Claro que ela estava contentíssima por Peter me ter convidado para sair. Como é que eu havia de explicar a ambos que não estava em condições de namorar naquela altura, que tudo o que menos precisava era de um rapaz atrás de mim, a dar-me ainda mais dores de cabeça do que aquelas que eu já sentia?!
            Concentrei-me de novo no filme. Estava a ser paranóica. Não havia mal nenhum em ir sair com Peter, ver um filme, comer um gelado, passear e conversar, e depois voltar para o colégio. Não havia mesmo mal nenhum.
            Quando a comédia finalmente acabou, eram perto das onze e quarenta da noite, mas eu já me sentia demasiado cansada para me manter a pé. Levantei-me, despedindo-me deles.
            - Onde vais? - Perguntou Ryan.
            - Dormir. Estou cansadíssima. A semana foi estafante.
            Ele sorriu, como se me desse permissão para partir, e depois de desejar as boas-noites a todos, subi para o meu quarto. Este estava mergulhado na escuridão total e depois de fechar a porta, encaminhei-me até à janela para a abrir. A Lua brilhava intensamente naquele céu sem nuvens. Fiquei ali a ver o Luar durante muito tempo, tentando esvaziar a cabeça de outros pensamentos, concentrando-me apenas na beleza daquela paisagem. Não devia haver muitos lugares com uma vista tão bonita quanto aquele quarto.
            Depois de me cansar de observar a Lua, fui trocar de roupa pelo pijama e enfiei-me na cama, aninhando-me nos cobertores e fechei os olhos. Mais uma noite em que Kalissa podia conseguir vencer-me… ainda por cima agora, que eu estava confusa com as intenções de Peter. Uma ideia horrorosa passou-me pela cabeça.
            E se Kalissa descobrisse que Peter me convidara para sair? E se ela ganhasse o domínio até à tarde em que eu fosse com ele ao cinema? E se em vez de ir comigo, Peter levasse Kalissa a sair? E se ela o magoasse? E se ele acreditasse que tinha sido eu e nunca mais me quisesse ver à frente?
            Mordi o lábio inferior para me controlar. Não. Eu não deixaria que ela ganhasse o controlo. Tinha aguentado uma semana inteira por isso também podia aguentar mais dois dias. Tudo pelo bem do Peter. Ele merecia não ter de passar por um Inferno que seria sair com Kalissa.
            Acabei por adormecer, embora me sentisse muito nervosa. Tinha quase a certeza que Kalissa se conseguiria soltar, mas o sono foi mais forte e acabou por me deitar abaixo, levando-me para as profundezas do sonho colorido que tive, no qual só conseguia imaginar-me a correr pelo campo de basebol lá do castelo, à meia-noite, com a luz a brilhar intensamente por cima de mim, sentindo-me livre como poucas vezes me sentira na vida. Livre e feliz.
            Na manhã seguinte, quando acordei, fiquei à espera uns segundos, tentando captar a terrível sensação que me alertava para o facto de Kalissa ter ou não conseguido controlar o meu corpo. Esperei imenso tempo que a sensação surgisse, mas nada aconteceu. Soltei um longo suspiro de alívio e abri os olhos.
            Niza e Sophie dormiam profundamente nas suas camas, parecendo tão calmas que até dava pena acordá-las. Estiquei a mão para alcançar o meu telemóvel, pousado em cima da mesa-de-cabeceira que dividia com Niza, e vi as horas no visor. Seis e meia da manhã. Hum… sexta-feira…
            Levantei-me e cumpri a minha rotina matinal como em todas as outras manhãs, esperando que Sophie e Niza também se despachassem para depois descermos e irmos tomar o pequeno-almoço com os rapazes. Quando chegámos ao salão de refeições eles já lá estavam, apesar de ainda nem passarem das oito da manhã. Sentei-me ao lado de Niza.
            - Bom-dia rapazes! - Cumprimentou Sophie, com toda a alegria matinal que nunca a abandonava.
            - Olá! Estão boas?
            A conversa era sempre a mesma todas as manhãs. Quando chegou a hora de nos servirmos, levantei-me e segui para a mesa do buffet. Chris veio comigo e serviu-se do mesmo que eu.
            - Então… vais mesmo sair com o Peter amanhã?
            Fixei o olhar no dele, corando imenso. O que é que Chris acharia daquilo? Estaria de acordo ou contra?
            - Está descansada, eu não acho mal que vás com ele.
            Senti-me mais calma. Chris era mesmo espectacular. Tinha sido um dos poucos rapazes, desde que eu entrara para a Blackstone Private School, que não olhara de modo abusivo para mim, nem se metera muito comigo. Era essa a razão para eu gostar tanto de estar ao pé dele, ele não se babava nem fazia comentários parvos. Nunca cheguei a saber o que teria Kalissa feito daquela vez para pôr todos os rapazes doidinhos por ela. Enfim… eu não era ela e não gostava desse tipo de olhares.
            - Se vocês viessem connosco seria menos… constrangedor. - Murmurei, colocando o chocolate quente por cima das minhas waffles.
            Chris riu-se e ajudou-me, pois eu estava com sérias dificuldades em não lambuzar tudo. Depois cravou aquele par de safiras cintilantes nos meus olhos.
            - O Peter matava-me se fosse convosco e se levasse mais alguém. Vá lá Kiara, pensei que fosses um bocadinho mais esperta… já toda a gente percebeu as intenções dele.
            Suspirei e desviei o olhar do seu. É claro que eu já tinha percebido. E esperava sinceramente que as coisas não mudassem depois de Peter descobrir que eu não estava preparada para andar com ele.
            - Tu não gostas dele. - Disse Chris, determinadamente.
            Olhei para ele, apelando em silêncio para que não fosse contar nada ao amigo. Se Peter descobrisse por Chris o que eu achava, deixaria logo de se dar comigo. E eu não queria perder o amigo que já tinha conquistado. Chris entendeu logo aquilo que eu tentava transmitir-lhe - era estranho como ele parecia conseguir ler-me os pensamentos quando olhava assim fixamente para mim - e sorriu de modo descontraído.
            - Não te preocupes. Eu não lhe digo nada.
            - Obrigada. - Sussurrei.
            - Agora vamos voltar antes que eles desconfiem.
            Voltámos para a mesa e sentámo-nos a comer. Tentei participar na conversa que os meus amigos travavam, mas Peter estava a olhar fixamente para mim, o que não ajudava nada ao meu controlo. Se ele soubesse o quão difícil era controlar as minhas emoções para não deixar que Kalissa se apoderasse de mim, deixaria de me provocar daquela maneira.
            Ao contrário do que eu julguei que fosse acontecer, a sexta-feira correu bem. As aulas foram iguais às dos restantes dias da semana, os exercícios que me mandavam fazer não eram muito difíceis, e a hora de almoço e o serão até se passaram bem. Mas, claro, eu tentei manter uma certa distância de Peter. Só que por mais indirectas que eu lhe mandasse, ele não entendia. Ou se fazia de desentendido ou não percebia mesmo. Enfim… eu não tinha coragem de lhe dizer directamente. Teria de suportar o encontro com ele de cabeça erguida. Ou pelo menos, tentar.


            Na tarde de Sábado, depois de ter almoçado com o grupo, ter tomado banho e vestido uma roupa bonita - escolhida por Sophie, que queria que eu fosse perfeita para o encontro, apesar de saber que não me apetecia nada ir - e de ter deixado que ela me maquilhasse, rezando para que ela não exagerasse na pintura, decidi que tinha chegado a hora de ir falar com John. Quando cheguei aos seus aposentos, ouvi a sua voz a dar-me ordem de entrada.
            Por mais dias que passassem, sempre que John me via fazia aquela cara. Era uma expressão que eu aprendera a reconhecer em qualquer ocasião. Uma expressão que dizia claramente "agora és a Kiara ou a Kalissa?". Suspirei, aproximando-me mais da sua grande poltrona, e sorri.
            - Sou eu, a Kiara.
            Ele suspirou de alívio e os seus lábios distenderam-se num largo sorriso, dando ao seu rosto um ar mais paternal.
            - Ah, olá Kiara. O que te traz por cá?
            - Bem… na verdade… eu vinha pedir-lhe uma coisa…
            Aquela era uma situação desconfortável. E nesse mesmo segundo, montes de perguntas cruzaram a minha cabeça. Aquela era uma ocasião nova. Eu nunca tinha passado por algo assim. Os olhos astutos do meu padrinho esperavam pelo meu veredicto.
            Em dezasseis anos, eu nunca tinha pedido ao meu tio autorização para sair com um rapaz, nem para levar nenhum até nossa casa ou qualquer outra coisa que envolvesse rapazes. Não fazia nada o meu género. Mas agora estava a preparar-me para pedir ao meu padrinho, que só conhecia há quase três semanas, que me deixasse sair com um rapaz. Que me deixasse sair das muralhas protectoras do meu refúgio para ir num encontro com um colega meu, ao cinema. Oh por amor de deus… será que tudo me acontece?!
            - Kiara? O que é que se passa? - Perguntou John, ao ver-me ficar nervosa.
            Tentei arranjar uma maneira melhor de lhe dizer. Depois lembrei-me que, como ele me queria manter protegida dentro do castelo, de certeza absoluta que não me deixaria sair, logo, não havia razão para entrar em pânico.
            - Bem… eu queria pedir-lhe autorização para…hum… para sair do castelo… porque um amigo meu convidou-me para ir ao cinema e eu, bem… eu não posso sair sem autorização portanto… é isto…
            Gaguejei tanto que de certeza que ele não percebeu metade do que eu disse. Ficou em silêncio por uns momentos, como se estivesse a ponderar no meu pedido e depois acabou por sorrir compreensivamente.
            - Claro que podes ir. Mas tem cuidado, por favor. E não voltes muito tarde. - Respondeu, recostando-se na poltrona.
            Eu fiquei a olhar para ele, embasbacada. Não contava com aquilo.
            - O que se passa? - Ele estava a achar estranha a minha reacção.
            - É que… eu pensei que…
            Ele entendeu e desatou a rir-se à gargalhada. O som das suas gargalhadas, vivas e alegres como eu já não ouvia num adulto há muito tempo, fez-me recuar com o choque.
            - Kiara, eu confio em ti e sei que não vais fugir a sete pés. Se bem que… tenho algum medo que a Kalissa se solte, e que ao ver que está fora do castelo, aproveite para escapar…
            - Eu não vou deixá-la soltar-se, prometo. - Balbuciei.
            - Então não há problema, penso eu. Vai lá com o teu amigo e diverte-te.
            Pronto. As minhas últimas esperanças tinham sido cortadas. Nem o meu padrinho super protector me salvava daquela situação super constrangedora. Inspirei fundo e coloquei um sorriso no rosto.
            - Obrigada John. Eu não me demoro muito.
            Dei meia-volta e preparava-me para ir embora quando John me chamou, fazendo-me olhar para ele por cima do ombro.
            - Sim?
            - A propósito… estás muito bonita.
            Corei tanto que tive de sair dos seus aposentos o mais depressa que podia. Enquanto percorria os corredores do castelo e descia as escadas até chegar ao vestíbulo, só conseguia pensar numa maneira de fazer Peter entender que ainda não gostava dele o suficiente para me permitir ter aqueles encontros.
            Quando saí pelas grandes portas da Blackstone Private School, vi logo Peter à minha espera no fundo da escadaria de basalto, com os olhos da cor do chocolate a brilharem intensamente. Sorriu ao ver-me aparecer.
            Suspirei e desejei que pelo menos o encontro corresse bem. Longe de mim querer ferir os sentimentos dele. Desci as escadas e aproximei-me do meu amigo, tentando parecer alegre.
            - Estás linda, Kiara.
            De certeza que Sophie, quando me maquilhara, soubera combinar a quantidade necessária de blush para que, quando eu corasse como naquele momento, não ficasse completamente patética.
            - Vamos? - Perguntou Peter.
            - Sim, claro.
            Seguimos para fora do colégio. Ao que parecia, John já tinha dado indicações ao porteiro para me deixar sair à vontade. Descemos a rua do colégio em passo lento. Não era preciso ter pressas, e nenhum de nós disse nada. Eu limitava-me a decorar o caminho na minha cabeça para não me perder mais tarde.
            - Então, hum… qual filme é que queres ver?
            - Não sei Peter… nem vi o cartaz desta semana!
            Ele soltou uma gargalhada abafada e tirou qualquer coisa do bolso dos jeans desgastados, passando-mo. Era uma folha com o título de todos os filmes em exibição e o horário. Fiquei impressionada por ele se dar àquele trabalho e comecei a procurar algo de jeito para vermos. Nada de comédias românticas. Tudo (tudo!) menos isso.
            - Posso dar uma sugestão? - Perguntou ele, aproximando-se mais.
            - Sim.
            - E que tal irmos ver este aqui?
            Era um filme de terror. Hum… eu vi poucos filmes de terror na vida e não sabia se estava preparada para ficar numa sala de cinema, mais de duas horas, a gritar e a tremer com Peter ao meu lado a rir-se das minha figuras tristes. Mas fazia tudo para que ele se sentisse bem.
            - OK, que venha morte e sangue. - Sorri.
            Ele pareceu ficar orgulhoso de ter acertado no filme que eu queria ver e não tive coragem para lhe confessar que não me apetecia mesmo nada ver cabeças cortadas e mortos-vivos. Principalmente depois do que tinha acontecido com os meus tios. Talvez aquela fosse mesmo uma má ideia, se tornasse numa experiência traumatizante. Fiz figas com os dedos para que não me passasse dentro da sala de cinema.
            O centro comercial onde ficava inserido o cinema mais próximo ficava a mais ou menos duzentos metros do colégio, pelo que seguimos calmamente para não chegarmos a arfar de cansaço. Mas aquele silêncio era realmente constrangedor, eu odiava não ter nada para dizer.
            - Então… tu gostas assim tanto de filmes de terror? - Perguntei.
            - Gosto. Tu não?
            - Oh sim, eu também gosto imenso. - Tentei que a minha voz soasse verdadeira e parece que consegui.
            Mas Peter não parou de sorrir durante todo o caminho. Talvez eu estivesse com alguma espécie de alucinação do meu ego mas… será que ele estava orgulhoso por estar num encontro comigo? Não. De certeza absoluta que não era isso. O que podia levar a sentir-se dessa maneira? Eu sou só uma rapariga normalíssima e ele… bem…
            Peter era giro. Não tanto como Chris ou Ryan, ou mesmo os rapazes do resto da equipa, mas era giro à mesma. Era mais ou menos da minha altura, tinha os olhos da cor do chocolate leitoso e quente, uns lábios que formavam um belo sorriso e o cabelo preto desenvolto.
            Enquanto eu estava perdida nos meus pensamentos acerca do meu acompanhante, nem me apercebi que já tínhamos chegado ao centro comercial. Entrámos e seguimos até ao piso dos cinemas.
            - Fica aqui enquanto vou comprar os bilhetes. Queres pipocas?     
            - Sim, e Coca-Cola também.
            Ele sorriu, concordando com as minhas escolhas, e afastou-se até ao balcão do cinema. Enquanto isso, eu observei o centro comercial. Devia ter sido ali que Kalissa fora com Mariah e com as amigas dela às compras. Apesar de eu nunca ter visitado aquele centro comercial, senti a mesma sensação que me levara até à clareira da árvore velha: o meu corpo guiava-me para o caminho que ele conhecia. E eu estava prestes a entrar numa loja de acessórios quando ouvi a voz de Peter a chamar-me, lá ao longe.
            - Kiara! Anda, faltam menos de cinco minutos para o filme começar!
            Corri até ele e seguimos para a sala de cinema. Tínhamos lugares privilegiados, pelo que foi só sentar e esperar que o filme começasse. Quando as luzes se apagaram eu comecei a sentir-me nervosa. OK… eu não estava muito ciente de conseguir controlar-me enquanto o filme estivesse a passar. Talvez um susto maior me fizesse quebrar a parede de tijolos que criara na minha cabeça para encurralar Kalissa e impedi-la de se soltar.
            - Estás muito nervosa ou é impressão minha? - Riu-se Peter, baixinho.
            - Estou um bocado. - Murmurei.
            E então, o filme começou. Foram mais de duas horas de carnificina pura. Eu ia tirando pipocas de vez em quando, e bebendo sofregamente a minha Coca-Cola entre um grito e outro. Peter ria às gargalhadas sempre que eu me sobressaltava. De uma das vezes, ao ver que eu quase tinha um lapso, pousou a sua mão sobre a minha e segredou-me que estava tudo bem. Eu nem ousei olhar directamente para ele, preferindo encarar o zombie no ecrã do cinema do que deparar-me com a expressão provocadora do meu amigo.
            A certa altura o zombie cortou o pescoço de uma mulher que por ali passava e deixou-a caída no chão. Quando eu vi isto, senti os meus olhos a encherem-se de lágrimas. Aquela cena era-me tão familiar que até custava a rever. Mas não denunciei o meu pânico. Peter não podia desconfiar de nada.
            Quando finalmente o filme acabou e saímos da sala eu pude respirar fundo.
            - Não gostaste mesmo nada. - Lamentou-se Peter.
            Olhei para ele. Parecia desgostoso ao ver que eu não apreciara a sua escolha. Senti logo a vozinha da minha consciência a alertar-me para o facto de estar a estragar o encontro. Por isso, e tentando não pensar muito no que ia fazer a seguir, aproximei-me de Peter e lancei os braços em volta do seu pescoço.
            - Estás a brincar? Adorei. A sério. Era muito assustador, é só por isso que estou neste estado, mas já me passa.
            Ele abraçou-me por instantes, e depois soltou-me. Devo ter corado de mais desta vez, porque vi o orgulho e a confiança a iluminarem de novo as suas belas feições. Engoli em seco, achando que já tinha ido longe de mais com aquela demonstração súbita.
            - Bem, se pensas assim… - Encolheu os ombros despreocupadamente. - Queres ir comer o gelado ou não te apetece?
            - Claro, vamos…
            Segui com ele até à geladaria, que ficava no outro lado do centro comercial. Enquanto caminhávamos, conversávamos sobre os aspectos que mais me tinham assustado no filme. Comecei a pensar que o encontro até estava a correr bem. Peter tinha um óptimo sentido de humor e conseguia salvar-me sempre quando eu encalhava numa pergunta mais constrangedora. Sentámo-nos numa mesa só para dois a comer os nossos gelados e a conversar durante muito tempo. Era o meu primeiro encontro a sério com um rapaz e nem estava a correr tão mal quanto eu pensara.
            E Kalissa nem estava a fazer pressão na parede de tijolos para tentar rompê-la e assumir o controlo. Pela primeira vez na vida, ela estava a colaborar comigo. Uau.
            - Temos de fazer isto mais vezes. - Disse ele.
            - Sim, mas para a próxima vemos uma comédia, pode ser?
            - Claro, o que tu quiseres.
            - E achas que podemos trazer o Ryan e os outros? Eles iam gostar mesmo de vir. O que achas de uma saída de grupo?
            Ele demorou uns segundos a responder e depois sorriu-me.
            - Claro que sim, não vejo porque não.
            Sorri. Não fazia a mínima ideia se ele estava a dizer aquilo só para me fazer todas as vontadinhas, mas até gostei da sensação.
            Assim que acabámos de comer o gelado, voltámos calmamente para o castelo, sem pressas nenhumas. A hora do crepúsculo passava lentamente, e eu queria aproveitar aquele céu avermelhado enquanto ele não se tornasse sombrio. O pôr-do-sol era a minha altura preferida do dia. Enquanto subíamos a encosta até ao castelo, Peter rodeou a minha cintura com o seu braço. Eu senti-me ansiosa nesse momento. Se ele se esticasse de mais, o que é que eu fazia? A tarde tinha sido boa. Não queria nada estragá-la com os meus recuos anormais. Peter esperava que eu correspondesse bem ao seu abraço… e talvez eu até devesse fazer isso. Só para experimentar a sensação de ser amada. Uma vez na vida.
            Quando passámos pelos grandes portões da Blackstone Private School, senti-me mais calma. Pronto. Tinha corrido tudo bem. Eu estava a salvo, os assassinos dos meus tios não me tinham descoberto nem a Peter nem nos tinham tentando capturar ou matar. Seguimos para a Sala de Convívio, onde de certeza os nossos amigos estariam reunidos, e assim que entrámos, várias coisas aconteceram em simultâneo.
            Primeiro, os olhos de Niza e Sophie cravaram-se nos meus, ambas ansiosas e entusiasmadas, e ao verem-me sorrir, ficaram mais descansadas por ter corrido tudo bem. O mesmo aconteceu com Ryan e Chris.
            Depois, foi a vez de Mariah me encarar de frente, embora estivesse lá ao longe, e pareci ver umas chamas dançantes nos seus olhos azul-bebé. Que estranho… por que é que ela estava a reagir assim? Pensei que nos déssemos bem…
            Finalmente, apercebi-me que a maioria dos rapazes presentes na sala - todos os alunos que tinham ficado no colégio durante o fim-de-semana estavam na Sala de Convívio àquela hora - olhavam furiosos para Peter. Um mais que os outros. Tentei não dar meia volta e fugir quando vi a máscara de irritação a toldar as feições de Brand e a torná-lo ainda mais ameaçador.
            Peter deu-me a mão e sorriu-me calmamente. Oh pronto… agora ele já julgava que, só porque tínhamos ido sair, já tinha poder sobre mim. Lá se ia o "encontro de amigos". Suspirei, tirei a minha mão de junto da sua e fui sentar-me ao lado de Ryan no sofá. Ele olhou fixamente para mim e senti a exaltação a sair de dentro de mim, como se me dessem um calmante qualquer. Mantive os olhos fixos nos dele durante todo o tempo necessário até me sentir novamente calma. O meu talismã a funcionar na perfeição.
            Peter sentou-se no outro sofá e não parecia nada chateado com o meu súbito afastamento. Os olhos inteligentes de Niza tinham apanhado o que se passara mas felizmente não falou no assunto ao pé de Peter.
            - Então? O encontro correu bem? - Perguntou Sophie.
            Suspirei e sorri-lhe.
            - Sim, correu bastante bem.
            Nem quis olhar para o sorriso orgulhoso de Peter. Ryan pousou a mão no meu antebraço como se tivesse notado aquela mudança nos meus sentimentos e a calma voltou a invadir-me.
            E até à hora do jantar, eu e Peter contamos aos outros como tinha sido o filme, e os rapazes riram-se à gargalhada com as partes em que eu gritava de medo. Enfim… a testosterona devia fazer com que eles não se assustassem tanto como as raparigas.
            Durante o jantar, eu mantive-me a comer em silêncio. Chris tinha o olhar cravado no meu. Estava a tentar apanhar os meus pensamentos. Ou melhor, estávamos a jogar ao gato e ao rato. Eu criava uma barreira invisível que protegia os meus pensamentos e os meus sentimentos e Chris tentava com toda a sua convicção ultrapassá-la ou mesmo derrubá-la. De vez em quando via um sorriso nervoso nos seus lábios carnudos, denunciando o esforço que ele estava a fazer para me conseguir entender naquele momento. Niza, Sophie, Ryan e Peter não se aperceberam da nossa disputa silenciosa.
            Na hora da sobremesa, Chris resfolegou e revirou os olhos, rindo-se abafadamente.
            - Pronto, venceste.
            Eu ri-me à gargalhada. Niza olhou para mim, como se quisesse saber a piada que me fizera rir, mas eu encolhi os ombros. Era algo que ela não perceberia mesmo que eu lhe explicasse.
            - Sabem… apetece-me mesmo jogar às cartas. - Disse Sophie subitamente.
            - Às cartas?! - Perguntaram Ryan e Peter em uníssono, ambos surpreendidos com a sugestão dela.
            - Sim! Vá lá, vamos variar um bocadinho.
            Ela sorriu-me, como se esperasse que eu a apoiasse, e eu fi-lo de bom grado. Realmente, não me apetecia ver outro filme. Já chegava de enredos e gritos por hoje.
            - Claro!
            Assim que acabámos de comer seguimos para a Sala de Convívio enquanto Ryan corria até ao quarto para ir buscar o baralho de cartas que lá tinha. Nós fomo-nos instalando: Sophie ficava na equipa de Ryan, Niza com Chris e eu com Peter. Mesmo que eu tentasse alertar Chris (através do olhar, uma vez que ele era o único a conseguir entender tudo o que eu queria dizer só por olhar para mim) mas ele ou me ignorou ou não quis compactuar comigo. Desisti e lá acabei por ficar na equipa de Peter.
            Não foi tão mau como eu esperava. Parecia que Peter tinha desistido de se armar em valentão só por me ter levado a sair e até conseguimos recuperar o ambiente fantástico no grupo. Acabámos por ganhar com uma vantagem de cinco pontos de Niza e Chris. Sophie e Ryan acabaram por perder. Já passava da meia-noite quando eu me senti demasiado cansada para manter os olhos abertos, pelo que me levantei e disse que me ia deitar. Estava mesmo a precisar de dormir.
            - Eu vou levar-te lá acima, tenho de ir buscar uma coisa ao meu quarto. - Disse Peter.
            Eu despedi-me de Niza, Sophie, Ryan e Chris e segui com Peter para fora da Sala de Convívio. Percorremos os corredores em silêncio, e quando chegámos à porta do meu dormitório, virei-me para ficar de frente para ele.
            Estava na hora de pôr tudo em pratos limpos. Não queria nada que ele ficasse a pensar coisas erradas sobre o que se tinha passado.
            - Peter…
            - Sim?
            Ele aproximou-se de mim, falando baixinho. Olhei para os dois lados do corredor. Não estava ali mais ninguém. Engoli em seco e fechei os olhos por momentos.
            - Eu gostei muito de ir ao cinema contigo hoje. A sério, diverti-me imenso.
            - Eu também gostei de sair contigo Kiara.
            E quando eu me preparava para dizer "mas não quero que penses que gosto de ti mais do que gosto do Chris ou do Ryan" ele silenciou-me da maneira mais inesperada. Só me apercebi segundos depois de ele ter começado a beijar-me. Fiquei tão em choque que nem fui capaz de me mexer nem de o afastar. Os braços fortes de Peter envolveram-me pela cintura e puxaram o meu corpo para o seu enquanto ele me beijava fortemente.
            Por que é que eu não me mexia?! Por que é que não me afastava, não o afastava a ele, não tirava os seus lábios de perto dos meus? O que é que se estava a passar comigo?!
            Então, tudo parou. Peter recuou, mantendo o seu rosto tão próximo do meu que as nossas respirações se misturavam, e fitou-me com uma felicidade óbvia a fazer-lhe brilhar aquele par de olhos cor de chocolate.
            - Tem uma boa-noite Kiara. Dorme bem.
            Beijou-me na testa carinhosamente e depois fiquei a vê-lo afastar-se até ao fundo do corredor. Quando ele saiu do meu campo de visão, percebi que estava paralisada naquele lugar, que as minhas pernas não me obedeciam, nem tão-pouco os meus braços, ou qualquer outro músculo do meu corpo.
            Peter tinha-me beijado… pela primeira vez na vida (definitivamente aquele Sábado era para experiências novas) um rapaz tinha-me beijado, e ao contrário do que seria suposto, eu não estava à espera… nem queria isso.
            Oh raios, raios, raios!

1 comentário:

  1. OLHA TÁ BRUTAL!!!
    adorei tudinho até agora!!
    e este capitulo ta mesmo "bang"!!!
    adorei a parte do beijo....apesar de nao ser com o bonzao do chris XD
    tambem gostei da parte em que ela vai pedir a autorização ao john e gagueja por todos os lados.
    e o melhor melhor foi o "pronto, venceste" que o chris disse quando estava a tentar "ler" digamos assim o que a kiara estava a pensar / sentir.
    ta mesmo brutal!!!
    tou-me a agarrar completamente ao livro! continua assim!
    estou orgulhosa, minha "escritora mestra" : D

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