domingo, 3 de outubro de 2010


Capítulo 3

 Recomeçar


             Quando consegui controlar-me o suficiente para parar de chorar, levantei-me da cama e fui até à janela. Tinha estado tanto tempo a soluçar que já me doía a garganta. Afaguei os braços e olhei através do vidro para a bela floresta lá fora. Era uma paisagem tão encantadora que me apeteceu ficar ali muito mais tempo a apreciá-la. Mas eu sabia que não podia parar, a minha vida não tinha chegado ao fim. Eu continuaria a andar, a falar, a conviver e a lutar até que os assassinos me descobrissem e me matassem. Até essa altura, eu não me deixaria levar pela depressão. Tinha de ser mais forte que ela.
            Por isso fui para junto das malas e comecei a tirar a roupa lá de dentro, enquanto tirava um pacote de batatas fritas e as comia calmamente, à medida que arrumava a pouca roupa que tinha trazido dentro do roupeiro vazio lá do quarto. Tinha de pedir a John que mandasse trazer o resto da minha roupa, que ficara no meu quarto da casa de Alabama. Os outros dois armários já estavam cheios com as roupas das minhas colegas de dormitório. Tentei imaginar como elas seriam e o que achariam de mim. Depois uma dúvida surgiu dentro de mim: o que fariam elas quando descobrissem aquilo de que eu era capaz?
            Nem queria pôr essa hipótese. Ninguém podia descobrir que eu tinha aquele problema tão grave. E para conseguir escondê-lo ia ter de me concentrar em todos os minutos da minha vida para não deixar que a maldição me vencesse. Suspirei com desalento. Não ia ser nada fácil, nada mesmo.
            Quando acabei de arrumar a roupa, fiquei sem saber bem o que devia fazer. Fui à mochila mais pequena procurar o telemóvel e vi pelo relógio do visor que já era tarde. Não tinha muita fome nem fazia ideia de quais seriam os horários dentro daquele castelo mas cansei-me de ficar ali fechada a chorar sem parar. Enchi-me de coragem e saí do quarto.
            O corredor ainda estava vazio. Os outros alunos deviam estar em aulas. Desci a escadaria e dirigi-me à Secretaria, que ficava logo à direita das grandes portas de entrada. Entrei e uma simpática secretária sorriu-me.
            - Olá! És a Kiara Williams, certo?
            Suspirei. Haveria assim tão poucos alunos naquele colégio para eu já ser motivo de conversa em tão pouco tempo? Aproximei-me mais do balcão e tentei parecer simpática, mesmo estando desfeita por dentro.
            - Sim, sou eu.
            - O director Clarckson falou-nos de ti. Tenho alguns papéis para te entregar… espera, vou só procurá-los e já tos dou… - Disse ela, levantando-se e começando a remexer na pilha de papéis que tinha em cima da sua mesa.
            Esperei que ela encontrasse aquilo que queria e depois peguei nos papéis que me estendeu. Um deles era um mapa do colégio, com as salas e os quartos assinalados, e o outro era o meu horário escolar. Observei-o por uns momentos e depois acenei com a cabeça, concordando com as indicações.
            - Desculpe mas… pode dizer-me onde está o meu padrinho… quer dizer, o director Clarckson? Preciso imenso de falar com ele…
            - Claro, estás a ver essa divisão aí no mapa, no terceiro andar? Aquela ao fundo do segundo corredor? É aí. - Explicou ela, apontando as direcções no mapa que me dera.
            Agradeci e saí da Secretaria, atravessando o hall de entrada até à porta lá mesmo ao fundo, entre as duas escadarias. Atravessei-a e deparei-me com um aglomerado de escadas e portas que me fez imensa confusão. Como já sabia que me perderia se tentasse decorar o caminho, limitei-me a seguir as indicações do mapa. Não havia elevadores no colégio, e ao fim do quinto lance de escadas eu comecei a sentir-me cansada. Finalmente cheguei à porta que dava para os aposentos do meu padrinho. Bati nela ao de leve, esperando que ele estivesse lá dentro, e ouvi a sua voz grave a dar-me ordem de entrada. Inspirei fundo e rodei a maçaneta da porta.
            Os seus aposentos eram constituídos por uma sala de tamanho médio com ar de escritório de director, com duas portas ao fundo, possivelmente para darem acesso a uma pequena casa de banho e ao quarto de dormir. Havia imensas estantes com livros nas paredes e resmas e resmas de papéis em cima da secretária ao centro da divisão. O meu padrinho estava sentado do outro lado, num cadeirão majestoso e de aspecto confortável, e ao ver-me entrar sorriu compreensivamente.
            - Esperava que me viesses ver-me. Senta-te. - Disse ele.
            Fechei a porta e sentei-me na cadeira que estava em frente à sua, do outro lado da secretária. O escritório era acolhedor e senti-me subitamente melhor na presença de John. Pelo menos não estava sozinha e não me sentia desprotegida.
            - Já te ambientaste ao teu novo quarto?          
            - Acho que sim. E já fui à Secretaria buscar o mapa do castelo e o meu horário das aulas. - Expliquei.
            - Óptimo. Vais ver Kiara, as coisas aqui dentro serão muito mais fáceis. E eu gostava de te informar… estive a falar ao telefone com os médicos que socorreram os teus tios… estão a tratar de tudo para o funeral.
            Engoli em seco e tentei conter as lágrimas. Eu queria ir para lá e ajudar. Afinal, eles eram a única família de sangue que me restava. Não me parecia bem abandoná-los assim. John pareceu ler a indecisão no meu rosto e abanou lentamente a cabeça.
            - Não podes sair do castelo, claro. Kiara, aqui dentro estás a salvo. Não me arrisco a levar-te de volta a Auburn e sofrer o risco de que eles te apanhem. Nem pensar nessa hipótese.
            - OK… eu fico aqui…
            - Eu só quero o teu bem. O meu papel é proteger-te de todos os perigos e só conseguirei manter-te debaixo de olho aqui dentro.
            Ele inclinou-se na minha direcção, a testa franzida pela preocupação.
            - Eu compreendo. Bem… para onde vou agora? - Perguntei.
            - Está quase na hora de jantar. Acho que serás capaz de encontrar o refeitório se seguires o mapa.
            - Sim, eu passei por lá há bocado…
            - Ainda bem. Então vai jantar com os teus colegas. De certeza que as tuas companheiras de dormitório serão simpáticas para ti.
            Sorri e levantei-me. Preparava-me para sair quando me lembrei de algo. Fitei John por cima do ombro e aclarei a voz.
            - Posso pedir-lhe um favor?
            - Claro, tudo o que queiras.
            - Não conte o meu segredo a ninguém. Nem aos professores. Eu estou habituada a… lidar com as consequências dos meus actos.
            John pareceu ficar pensativo mas acabou por concordar com o meu pedido e deixou-me ir embora. Despedi-me dele com um ligeiro sorriso e saí dos seus aposentos, percorrendo corredores atrás de corredores e descendo escadas até chegar ao enorme refeitório do colégio que parecia imenso um salão de banquetes dos castelos medievais. Ou para arranjar um exemplo melhor, parecia o refeitório de Hogwarts. Mesas com bancos corridos, enormes, ocupavam o salão, e a separar as mesas do corredor central havia longas mesas de buffet para nos servirmos.
            Vários alunos já estavam a sentar-se enquanto esperavam que os restantes chegassem para começarem a jantar. Eu não sabia onde me sentar e deitei uma olhadela ao mapa que me tinha sido dado. Ali dizia que os alunos se sentavam consoante o seu ano de escolaridade. Com tudo o que tinha acontecido nas últimas trinta e seis horas eu nem sabia que voltaria à escola. Mas ia começar o décimo primeiro ano, e assim sendo dirigi-me à mesa respectiva, onde já estavam sentados alguns alunos. Todos os olhares se dirigiram para mim, fazendo-me corar. Sentei-me e baixei o olhar para a toalha da mesa, tentando não lhes prestar atenção.
            Não demorou muito tempo até que alguém metesse conversa comigo.
            - Olá! És a Kiara Williams, certo?
            Tentei não parecer antipática. A rapariga que me dirigira a palavra até parecia contente por estar a falar comigo. Esforcei-me por fazer o meu sorriso parecer verdadeiro e assenti com a cabeça.
            - Sou eu.
            - Ainda bem! Eu sou uma das tuas colegas de quarto. Chamo-me Niza.
            E sorriu-me alegremente. Parecia ter a minha idade, tinha um rosto bonito, o cabelo liso como uma cascata de seda negra e uns brilhantes olhos verdes da cor dos trevos cintilantes. As suas maçãs do rosto elevadas estavam cheias de sardinhas que lhe davam um ar adorável.
            - É um prazer conhecer-te, Niza. - Sorri.
            Ela ficou toda contente por eu estar a corresponder e virou-se para a rapariga ao seu lado, apontando para mim.
            - Sophie! Esta é que é a Kiara! Ela vai ficar connosco.
            A amiga dela olhou também para mim. Era mais bonita que Niza. Tinha o cabelo da cor do chocolate, ondulado e dando-lhe pelos cotovelos, e os olhos cor de caramelo, uns lábios cheios e umas pestanas longas e negras.            
            - Olá Kiara! Eu sou a Sophie. Ainda bem que vais ficar no nosso quarto!
            Questionei-me acerca da razão para elas estarem a ser tão simpáticas para mim se ainda nem me conheciam bem, mas tentei não ver o lado mau dessa situação. Desde que elas não fizessem muitas perguntas acerca de mim estaria tudo bem.
            - Chegaste há muito tempo?
            - Não… há cerca de três ou quatro horas… estive no nosso quarto a arrumar as minhas coisas no armário…
            - Está bem… e gostas do colégio? - Perguntou Niza, parecendo mesmo interessada.
            - Parece ser… acolhedor. 
            Sophie riu-se e virou-se para o rapaz sentado ao seu lado. Os seus olhos cravaram-se nos meus. Era alto e giro e musculado. Sorriu alegremente e piscou-me o olho.
            - Bem-vinda ao grupo Kiara. O meu nome é Ryan.
            - Hum… OK… - Sorri.
            Ele também parecia simpático, mas toda aquela conversa de circunstância me fazia uma confusão tremenda. Eu preferia não ter de dizer nada. Felizmente, deram-nos ordem para nos irmos servir e levantei-me, levando o meu prato comigo até à mesa do buffet. Havia tanto por onde escolher que me decidi pela primeira coisa que me passou pelas mãos e voltei para a mesa. Comecei a comer silenciosamente, mas Niza parecia com vontade de meter conversa.
            - Hum, desculpa a pergunta mas… és parente da Avril Lavigne?
            Apeteceu-me revirar os olhos mas limitei-me a abanar a cabeça em negação. Não era a primeira vez que me perguntavam isso, e certamente não seria a última.
            - Não.
            - É que… bem, és super parecida com ela…
            Corei e baixei o olhar para a toalha.
            - Pois… já me tinham dito isso antes…
            - É mesmo verdade. - Riu-se Ryan.
            E eu sabia que era. Cada vez que me via ao espelho era como se visualizasse um clone da cantora, com a excepção que eu não tinha a madeixa cor-de-rosa no cabelo. De resto, éramos muito parecidas.
            - Então Kiara, por que é que vieste para o colégio?
            Cravei o olhar em Niza e tentei decidir se devia dizer a verdade ou não. Depois lembrei-me que já que teria de mentir tanto, mais valia criar uma personagem na qual eles acreditassem completamente. Inspirei fundo e preparei-me para uma das muitas mentiras que lhes diria.
            - Os meus pais divorciaram-se e eu decidi ficar aqui com o meu padrinho. Estava um bocado farta de estar com eles e de aturar todas as suas guerrinhas. Isto aqui deve ser mais pacífico.
            Niza e Sophie entreolharam-se intensamente mas foi Ryan que respondeu.
            - A sério? Uau… se eu tivesse opção, acho que ficaria com eles.
            - Não tiveste? - Perguntei, sentindo uma pontada de culpa a insinuar-se dentro de mim. Talvez eu não devesse mentir-lhes tanto.
            - Não. Os meus pais morreram há dois anos e tive de vir para aqui. A minha tia não está para me aturar por isso prendeu-me aqui dentro. Mas depois tornou-se tudo mais fácil, este castelo é o máximo.
            Ele não parecia nada triste enquanto dizia aquilo. Pensei que, talvez para mim, as coisas se tornassem melhores com o passar do tempo, tal como tinha acontecido com eles.
            Continuei a comer em silêncio enquanto Niza, Sophie e Ryan tagarelavam sobre qualquer coisa. Mas naquele momento eu não conseguia importar-me com conversas triviais. Sentia-me a mais naquele ambiente e precisava de ficar sozinha. Acabei de comer primeiro que eles e decidi perguntar-lhes onde devia dirigir-me a seguir.
            - Bem, podes ir para o quarto se quiseres… mas nós vamos para a Sala de Convívio. Fica para lá daquela porta. - Disse Sophie, apontando para uma grande porta ao fundo do salão das refeições.
            - Hum… eu acho que vou para o meu quarto…
            - Está bem. Nós subimos mais tarde. Fica bem Kiara. - Sorriu Niza.
            Assenti e levantei-me, seguindo para fora do refeitório. Subi de novo as escadas até chegar ao meu quarto. Entrei, fechei bem a porta e deitei-me numa das camas, a única que não tinha algo em cima - que podia ser uma peça de roupa, um adereço ou mesmo um livro - e que portanto devia ser a minha cama. Fechei os olhos e desejei ser capaz de adormecer. Não me apetecia mesmo nada ficar junto deles. Mas tinha a certeza que, assim que adormecesse, os pesadelos com os meus tios me assombrariam. Tentei não pensar dessa forma e suspirei, enquanto me enrolava numa bola e esperava conseguir descansar. Sentia-me tão cansada que era capaz de cair para o lado se continuasse em pé.


            Abri os olhos e olhei à minha volta. Onde é que eu estava? Que espécie de lugar era aquele?
         Levantei-me da cama e atravessei o estranho quarto até alcançar a janela. Quando olhei para o exterior espantei-me. Aquela não era a minha casa. Não estava em Auburn. Como é que eu fora parar ali? Parecia que estava diante de uma floresta onde eu nunca antes fora. Que estranho… o que é que Kiara teria tramado desta vez?
         Depois apercebi-me que não estava sozinha no quarto. Havia mais duas camas na divisão, ambas ocupadas por raparigas que pareciam não ser muito mais velhas que eu. Franzi o sobrolho. O que é que elas fariam ali? Por que é que de repente eu estava num quarto partilhado?
         Tinha de descobrir o que fazia ali. Saí do quarto e atravessei o corredor. O ambiente era estranho e depressa entendi que estávamos dentro de um castelo antigo. Como raio é que…?
         - Kiara!
         Virei-me quando chamaram o nome dela. Odiava quando me chamavam aquilo, mas desde que a pessoa que a tivesse chamado me pudesse dizer onde me encontrava, nem me importava de ignorar o insulto só por essa vez.
         - Ah, estás aqui! Não devias andar a pé a estas horas.
         O homem que falava comigo devia ter cerca de trinta e tal anos, quase quarenta. Tinha um porte elegante, o cabelo curto e desenvolto, num belo tom de castanho chocolate e uns olhos castanhos-claros, umas sobrancelhas arqueadas e um ar tenso. Cruzei os braços, esperando que ele me soubesse explicar onde eu estava e como podia sair dali e voltar para casa.
         - Quem é você? - Perguntei, semicerrando os olhos.
         Ele estacou à minha frente, aparentemente espantado com a minha pergunta, e eu apercebi-me que ele devia mesmo conhecer Kiara. Revirei os olhos e descruzei os braços, tentando parecer mais amistosa, ou seja, mais enjoativa e santinha como ela era.
         - Eu sou a Kalissa. Como é que se chama? - Perguntei.
         - John… sou o padrinho da Kiara. Bem… vocês devem ter trocado agora… - Ele parecia atrapalhado e sem saber como lidar com aquela situação.
         - Sim, deve ter sido. Onde é que eu estou? - Já não estava a gostar nada daquela situação. Quem é que a Kiara pensava que era para me levar para tão longe de casa?
         - Estás na Blackstone Private School, o colégio interno onde a Kiara agora vive. Eu sou o director deste colégio e ela ficou à minha total responsabilidade.
         - Ai sim? E para onde foram aqueles dois, os tios dela?
         O homem pareceu ficar apreensivo e até triste quando me respondeu.
         - Eles foram mortos ontem à noite.
         Não estava à espera que ele dissesse aquilo. Mortos? Porquê? Por quem? E como é que a Kiara tinha escapado?
         - Explique-me lá o que aconteceu, já não estou a perceber nada. - Resmunguei, enfiando as mãos nos bolsos.
         Ele aclarou a voz e depois cruzou os braços, procurando uma maneira de me explicar melhor a situação.
         - A Kiara e a tia estavam em casa, prestes a começar a jantar, quando entraram dois assassinos pela casa delas, mataram a sua tia, e a Kiara conseguiu escapar ao fugir para o telhado. Quando o tio chegou a casa, os assaltantes também o mataram. E a Kiara conseguiu reunir alguns dos seus bens e fugir até ao aeroporto, onde eu a fui buscar e a trouxe para aqui.
         Resfoleguei, tentando reter tudo o que ele dissera. Hum… assassinados… e a Kiara a viver com o padrinho… talvez isso me trouxesse alguns problemas…
         - Eu já sei das vossas… trocas de personalidade…
         - Não lhe chame isso! A Kiara veio para dentro do meu corpo e roubou-me a minha vida! E agradecia-lhe imenso se arranjasse uma maneira de a tirar de mim. - Vociferei, irritada com as suas palavras.
         - Não há maneira de fazer isso, como vocês bem sabem…
         - Pois claro. Então não estou aqui a fazer nada. Posso ir-me embora ou não?
         - Não. Tens de ficar aqui comigo, a Kiara tem de ficar aqui. Os assassinos dos tios dela andam à sua procura e se ela sair do castelo pode ser apanhada.
         - Eu não tenho nada a ver com isso.
         As sobrancelhas de John curvaram-se de modo ameaçador.
         - Kalissa… não vou deixar que metas a Kiara em problemas. Vais ficar aqui com ela quer queiras quer não. A partir de agora vocês as duas estão à minha responsabilidade e eu é que tomo as decisões.
         - De certeza? Não tem nenhum poder sobre mim, não me é nada. Eu até posso declarar rapto à polícia.
         Sentia-me tão bem quando sabia como chantagear as outras pessoas. John recuou, parecendo confuso e atrapalhado, e eu esperei que ele descobrisse uma maneira de continuar a nossa pequena discussão.
         - Não vais conseguir fugir do castelo. Ele está bem protegido.
         Soltei uma gargalhada. Aquilo tinha realmente muita graça.
         - Ouça, o senhor pensa mesmo que me consegue deter se eu quiser fugir? Já fugi da esquadra da polícia, de hospitais, de escolas, e muitos outros locais. Nem pense em travar-me. A partir do momento em que eu quiser sair, saio.
         Aquilo era a mais pura verdade e ele pareceu acreditar nela. Portanto, agora bastava arranjar uma maneira de sair dali.
         - Kalissa… peço-te… vais colocar a Kiara em problemas. Se os assassinos dos tios dela te virem, julgaram que és a Kiara e vão matar-te. Queres mesmo que a tua vida termine dessa maneira?
         - E acha que dividir o corpo com uma estúpida miúda ingénua é melhor que morrer?! Estou farta de ter a Kiara a atrapalhar-me a vida!
         - Tu é que entraste no corpo dela. - Vociferou John, com os olhos a dardejarem de preocupação.
         - Não. Eu já cá estava.
         - Isso é mentira…
         - Chega. Não vou continuar a teimar consigo. Onde é que é a porta de saída?
         - Por favor, não vás embora… ela voltará assim que recuperar o controlo e vão andar sempre nisto: tu a fugir e ela a voltar para cá. Não vamos chegar a nenhum acordo. Kalissa, por favor, fica aqui. É mais seguro para ambas.
         Revirei os olhos. Seguro. Como se alguém fosse suficientemente forte ou rápido para me apanhar, Kalissa Jones. Mas realmente não dava muito jeito ter um bando de assassinos asquerosos atrás de mim, obrigando-me a viver escondida… ponderei na sugestão de John e acabei por entender que talvez fosse melhor ficar ali, pelo menos durante os primeiros tempos.
         - Está bem, eu fico. Mas quem são aquelas duas dentro do meu quarto? - Perguntei, franzindo as sobrancelhas.
         - São a Sophie Lennox e a Niza Portman, as colegas de dormitório da Kiara. Vais ficar a dividir o quarto com elas, são estudantes aqui no castelo.
         - Ainda por cima tenho de dividir o quarto?
         Era só o que mais me faltava. Agora tinha de dividir o meu espaço privado com mais duas miúdas. Ainda por cima deviam ser tão enervantes quanto a própria Kiara e toda a gente as devia achar fantásticas, simpáticas, blá, blá, blá. Que raio de sorte a minha…
         - Como eu estava a dizer, os alunos não podem estar fora dos seus quartos entre a uma e as seis da manhã. E neste momento ainda não são sequer cinco horas. Onde é que ias?
         - Descobrir uma maneira de sair daqui.
         - Bem… uma vez que vais cá ficar… aconselho-te a voltar para o teu dormitório.
         - Não. - Respondi, sorrindo ameaçadoramente.
         Eles que nem pensassem que conseguiam prender-me nalgum lado. Já que teria de ficar fechada ali ao menos tinha de conhecer o lugar.
         - Eu acho que vou explorar o castelo. Tenho de conhecer melhor este local… para não me perder no futuro.
         John não parecia muito contente com aquilo que eu dissera mas também tinha noção de que não me podia prender no quarto porque eu arranjaria maneira de sair de lá. Por isso limitou-se a encolher os ombros.
         - Está bem, vai lá. Mas tem cuidado para não seres vista. Não quero que os outros alunos sigam as tuas passadas.
         Sorri. Se ele achava que me punha no "bom caminho" com sermões sem sentido estava muito enganado. Dei meia volta e dirigi-me à primeira porta que vi.
         Durante a meia hora seguinte, subi e desci escadas, entrei e saí de salas, revistei todo o castelo. Era tão grande que até fazia alguma impressão. Seria fácil perder-nos ali dentro, mas eu tentei registar mentalmente todas as divisões por onde passava. Ao fim desse tempo, cansei-me de tantos degraus e voltei para o meu novo quarto. As duas raparigas com quem eu o dividia já estavam acordadas, a movimentar-se rapidamente e a trocar de roupa. Dirigi-me à minha cama e sentei-me lá, enquanto os dois pares de olhos delas se cravavam em mim.
         - Bom-dia Kiara. Onde é que tu estavas? Não podes sair do quarto antes das seis da manhã! Se um dos guardas te apanha…
         Suspirei. E naquele preciso momento descobri que talvez fosse interessante brincar com aquelas duas miúdas. Se elas continuassem a acreditar que eu era mesmo a Kiara, talvez fosse mais fácil moldá-las nas minhas mãos, como eu já fizera com tanta gente. Por isso coloquei o ar mais angelical que pude e sorri.
         - Eu fui falar com o meu padrinho… o director do colégio.
         A rapariga que falara comigo ficou de boca aberta com a revelação. Hum… Kiara ainda não lhes devia ter contado daquela relação entre ela e John… que interessante…
         - És mesmo afilhada de Mr. John Clarckson?
         - Sou. E fui ter com ele, perguntar-lhe uma coisa. E vocês as duas?
         - Estamos a despachar-nos para as aulas. Também devias arranjar-te, temos de tomar o pequeno-almoço daqui a menos de… meia hora! Sophie, anda lá!
         A miúda do cabelo castanho ondulado chamava-se Sophie. Não podia esquecer-me do seu nome, ou arranjaria maneira de elas começarem a desconfiar de mim e da Kiara. Passei a mão pelo meu próprio cabelo e olhei para a outra, que parecia muito apressada.  
         - A que horas começam as nossas aulas?
         - Às nove da manhã… toma, este é o nosso horário.
         Sophie passou-me uma folha e eu li o que lá dizia.

Horário do 11º ano:


2ª FEIRA, 4ª FEIRA, 6º FEIRA:
9.00h - Matemática
11.00h - Físico-Química
Intervalo para o Almoço - 13.00h até às 15.00h
15.00h - Biologia e Geologia
17.00h - Geografia
As aulas acabam às 19.00h.

3ª FEIRA, 5ª FEIRA
9.00h - Espanhol
11.00h - Filosofia
Intervalo para o Almoço - 13.00h até às 15.00h
15.00h - Inglês
17.00h - Educação Física
As aulas acabam às 19.00h.

         Observei o horário por uns momentos e depois assenti, apesar de não ser minha intenção comparecer a nenhuma das aulas. Devolvi-lhe o papel e sorri, tentando dar a intenção de que não me importava muito.
         - Não temos aulas ao Sábado e ao Domingo?
         - Não. Este é o horário do curso de Ciências e Tecnologias, Mr. Clarckson disse que ias seguir esse curso. Nós também estamos nele. - Respondeu a miúda com cabelo preto.
         - Hum… ainda bem…
         - Niza, já estou pronta, vamos para baixo?
         Ah, ela chamava-se Niza. Levantei-me, aproximando-me de um dos roupeiros e abriu-o. Não reconhecia nenhuma das minhas roupas. Kiara não as teria trazido para ali?
         - Hum, Kiara… esse armário é meu. O teu é aquele, não te lembras? - Perguntou Niza, parecendo confusa.
         - Oh, claro, peço desculpa…
         Dirigi-me ao armário que ela indicara e abriu-o. Hum, estavam ali algumas das minhas antigas roupas, ou melhor, da Kiara… tirei um conjunto de jeans e camisola de manga comprida preta e coloquei-os em cima da minha nova cama.
         - Vamos tomar o pequeno-almoço. Depois vem ter connosco à mesa do 11º ano, está bem? Não te atrases por causa do toque para a entrada das aulas.
         - OK. - Murmurei.
         Elas saíram e eu dirigi-me à porta de madeira que havia na parede junto à qual também se encontrava uma secretária de madeira com alguns livros em cima e um computador portátil. Passei pela porta e deparei-me com uma pequena casa de banho. Comecei a despir-me e entrei para a banheira para tomar um duche rápido. Era estranho, sentia um cheiro esquisito em mim, e não era nenhum perfume que Kiara tivesse decidido comprar. Era o cheiro a…
         Sangue. Ainda havia sangue nas unhas dela. Revirei os olhos e esfreguei bem as mãos com sabão para tirar aquele tom carmesim delas. Não que me fizesse grande impressão, mas as outras pessoas iam notar de certeza se eu andasse com as unhas ensanguentadas…
         Aproveitei para lavar o cabelo com aquele champô rasca que havia na casa de banho e que tanto Niza como Sophie também deviam usar. Quando acabei de tomar banho saí e enrolei o corpo numa das toalhas brancas que lá havia. Decididamente eu teria de comprar champôs e condicionadores para mim. Não sabia bem onde nem quando, mas havia de os arranjar.
          Depois fui para o quarto e vesti-me, penteei-me e maquilhei-me. Odeio quando Kiara tira o lápis preto dos olhos que eu tanto me esforço por fazer. Adoro maquilhagem e pintar os olhos leva-me pelo menos dez minutos, para que depois o parvo do meu alter-ego o vá tirar… enfim…
         Quando fiquei pronta, saí do quarto e segui o mapa até chegar ao salão de refeições. A maioria dos alunos já estava sentada nos seus habituais lugares. Eu tentei localizar Niza e Sophie no meio da multidão e assim que o consegui fazer dirigi-me até elas, sentando-me ao seu lado. Junto a Sophie estava um rapaz giro, de cabelo louro escuro e olhos verdes, que tinha um inquestionável ar de surfista. Sorri-lhe.
         - Bom-dia Kiara. - Ele retribuiu o sorriso.
         Apeteceu-me fazer-lhe má cara. Na verdade, o que mais queria dizer-lhes era o meu verdadeiro nome, mas decidi que manter-me calada, pelo menos durante aqueles primeiros dias, seria bastante benéfico. Isso, se Kiara não recuperasse o controlo entretanto.
         - Pronta para o teu primeiro dia de aulas? - Perguntou Niza.
         - Sim, acho que sim…
         Olhei à minha volta. Haviam ali tantos alunos quanto numa escola normal que albergasse desde o 5º até ao 12º ano. Todos os olhos estavam pregados em mim e senti-me lisonjeada por esse facto. Sempre adorei que as pessoas olhassem para mim com admiração. Era uma sensação indescritível. Mas a voz do rapaz ao meu lado chamou-me a atenção.
         - Kiara, vamos buscar a comida!
         Levantei-me e segui com ele para a mesa do buffet, onde havia tanta variedade de comida que se tornava quase impossível escolher. Acabei por tirar waffles com molho de chocolate quente, a minha combinação preferida, e voltei para a mesa, sentando-me em frente a Niza. Ela e Sophie tagarelavam alegremente mas eu não queria saber da conversa delas. Quando todos acabámos de comer, levantaram-se e eu decidi seguir atrás deles. Podia ir só àquela aula, para ver como era. Mais nada.
         Chegámos à sala de aula. Era grande, com mesas para dois alunos cada, e um quadro preto a preencher grande parte da parede do fundo da sala. O professor já lá estava dentro, sentado na sua cadeira confortável, lendo qualquer coisa com muito interesse. Decidi sentar-me sozinha numa das mesas. Sophie ficou com o rapaz bonitão e Niza com outra aluna qualquer. Eu nem tinha materiais escolares, por isso o que fazia ali? Os outros alunos olhavam-me com curiosidade. Nas suas cabeças ingénuas deviam julgar que eu me importava muito em estar ali dentro.
         - Miss Williams? Tenho aqui uns cadernos e uns livros para lhe dar. - Chamou o professor.
         Revirei os olhos. Lá se ia a oportunidade e eu ficar sossegada a olhar para o vazio enquanto ele dava a sua aula. Levantei-me, atravessei a sala até chegar à secretária dele e peguei nos livros, cadernos e estojo que me estendia. Depois voltei para o meu lugar e sentei-me. Folheei rapidamente o primeiro livro, da disciplina de Matemática, e deu-me vontade de o atirar pela janela. Nunca gostei de Matemática. Ou melhor, nunca gostei de nada que obrigasse estudo contínuo.
         A aula começou e o professor escreveu o sumário no quadro, iniciando a explicação sobre a matéria e fazendo-me um rápido resumo para que eu me pudesse situar e acompanhar os meus colegas, como se eu estivesse muito interessada nisso.
         A seguir à aula de Matemática, que durou exactamente duas horas, seguimos para a lição de Físico-Química. Era tão ou mais chata que a anterior e a professora conseguiu ser ainda mais irritante. Era feia e tinha uma voz esganiçada que me fazia doer os tímpanos. Passei a aula inteira a olhar para as minhas colegas de dormitório e a tentar enumerar os seus defeitos. Aquela mania de me sorrirem sempre de modo tão angelical estava a enervar-me. Quem é que elas se julgavam? As novas melhores amiguinhas da Kiara? Bem podiam esquecer essa ideia. Do que dependesse de mim, elas nunca se tornariam amigas.
         Quando a aula de Físico-Química finalmente acabou saímos para o exterior. Segui Niza até ao salão de refeições e sentei-me ao seu lado, esperando a ordem para nos irmos servir. Sophie e Ryan - descobri o nome do rapaz durante a aula de Matemática - conversavam animadamente mas não me quis meter na conversa. Niza é que parecia mais empenhada em tagarelar sobre coisas sem interesse, e logo comigo.
         - Então esta noite já ficas connosco até mais tarde na Sala de Convívio?
         - Sala de Convívio?
         Havia uma sala dessas ali no colégio? Eu ainda não a tinha visto no mapa. Encolhi os ombros e passei a mão pelo cabelo, tentando parecer despercebida.
         - Talvez, logo se vê.
         Almocei em silêncio e depois levantei-me e, despedindo-me de Niza, Sophie e Ryan, segui para fora do refeitório. Lá fora estava bom tempo pelo que decidi sair e ir dar uma volta pelo enorme pátio, que mais se assemelhava a um pequeno bosque verdejante, com alguns canteiros de flores que cheiravam bem. Deixei-me deambular sem destino por entre as árvores frondosas. Alguns alunos também passeavam por ali, apesar de a maioria preferir ficar dentro do colégio. E eu não estava com vontade nenhuma de ir para as aulas da tarde. Fui-me afastando cada vez mais do castelo, descendo a pequena colina florestal, e depressa descobri um lugar perfeito para passar a tarde. Era uma pequeníssima clareira redonda, onde as árvores curvavam os seus longos ramos para o interior do círculo, formando uma espécie de abóbada verde, e a luz do sol dificilmente penetrava a parede de folhas, e quando conseguia ultrapassá-las, ganhava uma tonalidade esverdeada. No centro dessa pequena clareira, onde o chão estava coberto de uma relva macia e cheia de florezinhas brancas, havia uma árvore grande cujo tronco se torcia desde o chão e à qual era bastante fácil subir. Aproximei-me e toquei no tronco velho, sentindo o aroma das flores. Depois comecei a subir à árvore, apelando à força do meu corpo. Quando consegui alcançar um dos ramos mais altos, que era grosso o suficiente para suportar o meu peso e que se elevava cerca de cinco metros acima do chão, sentei-me lá e deitei-me cuidadosamente para trás, de barriga para cima e costas apoiadas na madeira, e fechei os olhos enquanto a brisa suave e adocicada me acariciava o rosto e os cabelos.
         Era óptimo quando podíamos ser nós a tomar as decisões.
         Deixei-me ficar ali deitada a apreciar o cheiro e os sons dos pássaros à minha volta durante cerca de duas ou três horas. Ninguém me veio interromper ou chamar. Comecei a achar que mais ninguém sabia da existência daquele local encantado, longe do mundo humano. Quando tornei a abrir os olhos, o céu tinha escurecido e a Lua insinuava-se lá ao longe. A noite viria depressa e era altura de voltar para o castelo. Com cuidado, levantei-me - e os meus músculos protestaram devido ao movimento súbito depois de tanto tempo em descanso - e desci pelo tronco da velha árvore até alcançar o chão. À minha volta, a clareira continuava tal e qual quando eu fechara os olhos. Sorri. Viria ali muitas mais vezes, de certeza.
         Depois fiz o caminho de regresso ao castelo, serpenteando por entre as árvores e passando por cima de troncos caídos e pedras soltas. Eu sempre tinha gostado de bosques, nas histórias de encantar eles eram sempre locais mágicos e misteriosos. Aquele que rodeava a Blackstone Private School não fugia à regra.
         Quando consegui distinguir a escadaria lá ao fundo, apressei o passo e subi-a já a correr literalmente, passando pelas grandes portas de entrada. O vestíbulo estava iluminado pelo grande castiçal que descia do tecto. Alguns alunos, ao verem-me entrar, mostraram-se espantados.
         - Kiara!
         Virei-me ao som do nome dela e avistei John, o padrinho de Kiara, a chamar-me. Aproximei-me calmamente dele e observei a expressão preocupada no seu rosto.
         - Onde é que estiveste?!
         - Ainda sou a Kalissa. - Murmurei, tentando que mais ninguém ouvisse.
         Os olhos de John arregalaram-se e ficou mais preocupado.
         - Hum… estou a ver…
         - E no que depender de mim, a sua afilhada não voltará assim tão depressa. - Sorri, deixando o sarcasmo fluir na minha voz.
         Ele não parecia contente com a minha resposta mas também não tinha vontade de contra-argumentar.
         - Onde estiveste? - Repetiu, mais rispidamente.
         - Lá fora no bosque, sentada no tronco de uma árvore a tarde inteira. - Respondi.
         Às vezes até era bom fazer o papel de santinha e dizer a verdade.
         - Hum… não podes faltar às aulas aqui no colégio.
         - E quem é que lhe disse que eu ia cumprir as regras do colégio? - Perguntei.
         Estava-me a dar um gozo danado embirrar com aquele sujeito que se julgava muito superior. Como se ele pudesse fazer algo contra mim. Eu era livre de fazer o que me apetecesse. Kiara é que sofreria todos os castigos pelos pecados que eu cometesse.
         - A Kiara não pode ficar mal vista aos olhos dos professores, e parece que isso já aconteceu, logo no primeiro dia! - Resmungou John.
         Nesse instante, Niza apareceu lá ao fundo e fixou o olhar em mim. Ela até podia salvar-me do sermão enjoativo. Sorri-lhe, como se a estivesse a chamar, e ela correu até nós. John pareceu acalmar-se quando a viu, e entendi logo que ele julgava que eu me estava a dar bem com Niza, tal como Kiara fazia. Mas ele estava tão enganado…
         - Kiara, eu e a Sophie estávamos tão raladas contigo! Onde é que te enfiaste?!
         Deitei um olhar ameaçador a John e ele tossiu para aclarar a voz.
         - A Kiara decidiu ir dar um passeio durante a tarde pelo bosque do castelo, mas já foi severamente repreendida por essa ideia.
         Niza assentiu e pegou ao de leve na minha mão, gesto que eu dispensava. No entanto, se tirasse a minha mão de junto da sua ela notaria, pelo que a deixei ficar lá.
         - Vamos. Está quase na hora do jantar.
         - Claro. Até à próxima, Mr. Clarckson. - Segredei, piscando-lhe o olho sorrateiramente.
         Ele pareceu ficar irritado com a minha ousadia, mas nem me importei com isso. Algo dentro de mim me alertava para o facto de nos irmos encontrar e dar muito bem daí em diante. Depois segui com Niza pela escadaria acima até chegarmos ao nosso quarto. Sophie estava sentada à secretária, com os livros diante de si, a resolver uns exercícios quaisquer. Niza foi fechar a porta e depois pegou na escova para o cabelo e começou a pentear-se diante do espelho de corpo inteiro que havia atrás da porta.
         - Não devias ter faltado às aulas, sabes… os professores não ficaram muito bem impressionados contigo. - Ralhou Sophie, sem me fitar directamente.
         Apetecia-me dizer-lhe que se metesse na sua vida. O que é que ela tinha a ver comigo, ou com o que eu fazia ou para onde ia? Ela não me era nada nem tinha de sequer olhar para mim. Mas como precisava daquelas duas como minhas aliadas, limitei-me a suspirar e a deixar-me cair em cima da minha cama.
         - Apeteceu-me ir dar uma volta. As aulas são uma seca e eu nunca gostei muito de escola.
         Elas entreolharam-se espantadas. De certeza que Kiara tinha dado uma ideia de ser muito mais inocente e aplicada nos estudos. Que se lixe. Agora era eu quem controlava aquele corpo, e não ela.
         Mesmo que isso não durasse muito tempo.
         Quando elas ficaram prontas, seguimos para o salão de refeições para jantarmos. Ryan sentou-se ao lado de Sophie e também me perguntou a razão para ter faltado às aulas da tarde.
         - Não me apeteceu ir. Não sou muito aplicada nos estudos, entendes? - Despachei-o logo e fui buscar a minha comida.
         Não me apetecia nada aturá-los com perguntas e fingimentos de preocupação amigável. Comi em silêncio e eles devem ter ficado amuados com o meu comportamento porque nem insistiram para que eu os acompanhasse até à Sala de Convívio depois do jantar. Pude subir até ao meu quarto e deitar-me em cima da cama a ouvir música no meu MP4 em descanso. O rock acalmou-me e fez-me pensar que a estadia ali dentro até podia ser suportável.
         Desde que as coisas fossem à minha vontade.



2 comentários:

  1. Tou a gostar imenso do que estou a ler e estou cada vez mais ansiosa por ler mais!!!!!!!!
    és uma exelente escritora!!!!!

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  2. Jess, adooorei! Voce tá cada dia melhor! Estou adorando a historia, e espero que a Kalissa não faça mt maldade com a Kiara... Ela esta passando por momentos muito dificeis.. To amando Jess! Publica esse livro pelo amor de Deus

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