sábado, 20 de novembro de 2010

Capítulo 16


Às Vezes Perde-mos Boas Oportunidades Para Estarmos Quietos






            Na manhã seguinte a vida tinha de voltar ao normal. O aniversário de Ryan era uma boa memória a guardar mas a vida tinha de seguir em frente e a rotina na Blackstone Private School voltara ao mesmo. Mas eu sentia-me mal pela maneira como tinha agido com o meu padrinho, e não ficaria descansada até lhe pedir desculpa. E eu tinha uma maneira de fazer isso sem ter de confessar a minha mentira.
            Depois de almoçar com o meu grupo, subi até ao quarto do meu padrinho e bati à porta. Ele deixou-me entrar mas ainda parecia chateado.
            - John…
            - És tu, Kiara?
            - Sim, sou eu.
            Tinha passado toda a manhã a decorar o meu discurso por isso estava na hora de ter a certeza: ser ou não ser uma boa actriz.
            Aproximei-me da secretária dele e fiz um ar muito nervoso e preocupado. Nem foi preciso esforçar-me muito porque eu realmente sentia-me ansiosa com a reacção dele.
            - A Kalissa soltou-se ontem… desculpe-me…
            - Pois, nós tivemos uma pequena discussão.
            - A sério? - Arregalei os olhos. - Mas o que se passou?
            - Os teus amigos não te disseram?
            - John… o que quer que ela tenha feito eles devem pensar que fui eu… - Mordi o lábio inferior.
            - Hum, pois… bem, a Kalissa ontem teve a infeliz ideia de convidar o teu grupo para irem jogar às escondidas durante a noite, pelo castelo todo. E como estavam todos demasiado bêbedos, uma das tuas amigas, Sophie Lennox, acabou por começar a rir à gargalhada perto das quatro da manhã, e claro que foi apanhada.
            - Ah! Eu não sabia disso… meu deus… eu peço desculpa!
            - Não tens de pedir desculpa. Não foste tu, foi a Kalissa quem teve a ideia. - Disse ele, recostando-se na poltrona.
            - Pois… mas eu devia ter mais cuidado... não sei o que aconteceu desta vez para que ela tenha conseguido ganhar o controlo. Quer dizer… eu ando um bocado preocupada com a situação do Chris mas… não pensei que ela conseguisse afastar-me tão facilmente…
            - Não te massacres, Kiara. Ninguém te acha fraca aqui dentro.
            - Mas eu sinto-me assim! Não consigo controlar-me…
            Escondi o rosto entre as mãos. Estava a ir tudo bem. Nem tinha sido tão difícil quanto eu imaginara.
            John levantou-se e veio até mim, pousando as mãos nos meus ombros.
            - Vá lá, não fiques assim. O importante é que desta vez o ataque não durou mais de um dia.
            - Pois… essa deve ser a única parte boa…
            John afastou-me as mãos da cara e sorriu paternalmente.
            - Eu continuo orgulhoso de ti, Kiara. Por tudo o que tens feito até agora. És uma lutadora, e isso é tudo o que quero de ti.
            Sorri. Pronto. Tinha passado a parte pior.
            - Obrigada.
            - Agora vai andando. Não quero roubar-te mais tempo. Aproveita para estares com o teu grupo.
            - Sim, é isso que farei.
            Despedi-me dele e aproximei-me da porta. John voltou para os seus assuntos de director. Atravessei o corredor e desci as escadas com o nó na garganta a desfazer-se. Eu ainda não sabia bem o que podia ter Kalissa dito ao meu padrinho para o deixar tão apreensivo e para conseguir que ele lhe fizesse todas as vontades. A verdade é que ela conseguia moldá-lo da maneira que quisesse e isso não era nada bom.
            - Kiara!
            Virei-me ao ouvir o meu nome. Para minha surpresa, vi Brand sair das sombras do corredor atrás de mim. Que estranho… o que podia ele querer de mim? E por que é que não estava rodeado pelo seu grupo de amiguinhos todos musculados?
            - Sim? - Perguntei.
            Ele aproximou-se lentamente de mim com um sorriso perverso na cara do qual não gostei mesmo nada.
            - Eu vi-te ir ao gabinete do director. Ouve algum problema?
            - Não… ele é meu padrinho…
            «Cala-te!» por que é que eu não conseguia ficar calada?! Brand não tinha nada a ver com a minha vida.
            - Hum… melhor assim…
            E antes que eu pudesse perceber o que ele ia fazer, Brand puxou-me para os seus braços e beijou-me com uma ferocidade quase violenta, enquanto me pegava ao colo e me encurralava contra a parede.
            Eu estava paralisada de choque. Não conseguia mexer um único músculo. Queria fugir, queria libertar-me dos seus braços, mas não conseguia, como se estivesse presa por cordas invisíveis. E Brand continuou a beijar-me. Eu tremia como varas verdes e só ao fim de uns minutos fui capaz de ganhar forças para o morder com todas as minhas forças. Ele recuou, assustado com a minha reacção, e descobri que lhe tinha rasgado o lábio inferior com os meus dentes. Apoiei-me na parede porque as pernas mal conseguiam suportar-me de tanto tremerem.
            - O que é que se passa contigo?! - Rugiu ele, passando um dedo pelo lábio e vendo o sangue que lá ficava.
            Olhei para ele, completamente em pânico. Oh não…
            Kalissa devia tê-lo beijado na noite de Halloween. Essa era a única explicação. E agora eu tinha-lhe estragado os planos. O que é que eu podia fazer? Brand não podia desconfiar. Enchi-me de coragem e - tentando não pensar muito no que ia fazer - descolei-me da parede e aproximei-me de Brand, que me olhava com espanto e raiva ao mesmo tempo.
            - Desculpa… não sei o que me deu… quer dizer, apanhaste-me de surpresa! Olha se a Mariah entra por aí!
            - Ela não vem. Está com as Raparigas da Claque na Sala de Convívio.
            - Hum… desculpa, a sério…
            E depois pus-me em bicos de pés para conseguir beijá-lo, enquanto enrolava os braços à volta do pescoço dele. Brand não precisava de mais incentivos. Enlaçou-me pela cintura e correspondeu ao meu beijo.
            Oh raios, raios! O que estava eu a fazer?! A beijar o namorado de Mariah? Eu também tinha namorado! Chris podia aparecer a qualquer momento e jamais me perdoaria se me visse agarrada a Brand. Eu só me meto em situações complicadas…mas tinha de desempenhar aquele papel. Escolhi uma vida de mentiras atrás de mentiras e agora tinha de sofrer as consequências disso.
            - Pronto, por agora já chega. - Respondi, afastando-me das suas mãos.
            Brand sorriu e piscou-me o olho.
            - Quando nos voltamos a ver?
            - Não sei… eu chamo-te quando te quiser outra vez. - Respondi, com o meu melhor esgar de cabra. Credo…
            - Vou estar à tua espera.
            Beijou-me outra vez e depois virou costas e foi-se embora pelo corredor por onde viera. Assim que ele saiu do meu campo de visão deixei-me cair no chão, com as costas junto à parede, e fechei os olhos.
            Onde é que eu estava metida?!
            Aquela situação não podia continuar. Kalissa era mesmo cabra. Metia-se com todos ao mesmo tempo: Chris, Brand… e eu nem queria pensar que ela pudesse ter obrigado os meus lábios a beijar mais alguém. Bah…
            Mas porquê Brand? Bem, ele era provavelmente o rapaz mais giro do colégio, o mais popular, o atleta mais importante, e… o namorado da Chefe de Claque, Mariah, que supostamente era a melhor amiga da Kalissa. Revirei os olhos. Com amigas destas, quem precisa de inimigas?
            Deixei-me ficar ali sentada no chão durante imenso tempo, enquanto pensava numa situação para me livrar de Brand. Chris não merecia que eu andasse a beijar outros rapazes. Ele amava-me e eu amava-o… mesmo que Kalissa não pudesse saber isso. Oh meu deus…
            Levantei-me e arrastei-me lentamente para fora do corredor, até alcançar a Sala de Convívio, onde Niza e Sophie estavam com os rapazes a ver um filme que passava na televisão. Fui sentar-me ao lado de Chris sem dizer uma palavra e deitei a cabeça no ombro dele.
            - Estás bem meu amor? Acho que tens febre…
            - Estou assim tão quente?
            - Demasiado.
            Hum, então agora a vergonha e a culpa faziam-me ficar com sintomas de febre. Não me faltava mais nada.
            - Deve ser apenas do cansaço ou então estou a ficar constipada, não te preocupes. - Murmurei.
            - OK.
            Chris fez-me festinhas no braço e eu entrei num estado de dormência no qual não conseguia prestar atenção a mais nada.
            Na minha cabeça estava apenas a minha imagem bem forte. O meu reflexo no espelho. Só que aquele sorriso de desdém venenoso nunca poderia ser meu, aqueles olhos de cascavel não eram os meus. Kalissa sorriu-me uma última vez e depois desapareceu da minha cabeça. Felizmente.

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