sábado, 13 de novembro de 2010

Capítulo 15


O Aniversário de Ryan






            Quando estávamos a meio de Novembro, e eu andava demasiado ocupada com o estudo, os testes e o meu precioso segredo, Sophie lembrou-se que tínhamos de comemorar o aniversário de Ryan, que agora tinha ascendido à posição de mais-que-tudo da minha amiga. E eu nem me lembrava de algo que lhe pudesse dar!
            - Quando é que ele faz anos? - Perguntei.
            - Daqui a três dias. - Respondeu ela, continuando a pentear-se.
            - Estás a gozar não estás?! Eu não vou ter tempo de lhe comprar a prenda! - Exclamei.
            Era uma segunda-feira. Eu, Sophie e Niza estávamos no nosso quarto, à hora de almoço, a estudar para o teste que teríamos nessa tarde. Levantei-me da cadeira em frente à secretária e comecei a andar de um lado para o outro no quarto.
            - E agora?
            - Não entres em pânico Kiara! Eu sei de algo que ele ia adorar. - Sorriu Niza, entusiasmada.
            - O quê?
            - Ora, adivinha lá! Qual é a outra paixão do Ryan, a seguir a mim claro? - Riu-se Sophie.
            Não foi preciso pensar durante muito tempo. Virei-me para Niza e dissemos em uníssono:
            - Ténis.
            Claro! Ryan adorava ténis novos. Era a prenda perfeita!
            - Então quem é que lhe vai dar os ténis? - Perguntei.
            - Eu pensei que podíamos dar-lhe as três. Estão a ver, juntávamos as nossas poupanças e comprávamos o par. Ele vai ficar na lua quando vir o presente! - Os olhos de Sophie brilhavam de entusiasmo.
            - Pois, eu acho que é uma boa ideia.
            - Claro que é! Agora temos de arranjar maneira de ir ao centro comercial antes de quarta-feira à noite… - Alertou Niza.
            - Eu faço isso. Vou lá num instante, compro-os e volto. Simples e rápido. - Sorri-lhes.
            - Tu? Porquê?
            - Porque é mais fácil de convencer o meu padrinho a deixar-me sair do que uma de vocês, não acham? Além de que… posso levar o Chris comigo…
            Niza e Sophie entreolharam-se e depois riram-se perversamente.
            - Vejam lá se não se distraem com o namoro e se esquecem do presente! - Alertou Sophie.
            - Está descansada, vai correr tudo bem.
            E eu queria mesmo que corresse. De certeza que Ryan ia adorar a prenda.
            - Então e fazemos alguma festa ou nem por isso? - Dirigi-me à Niza.
            - Claro! Aquela mini festa que fizemos aqui no dia em que completaste um mês no colégio, é só uma pequenina ideia do que realmente podemos fazer. - Riu-se ela.
            - Hum… esperem meninas, temos de organizar tudo como deve de ser.
            Sophie pousou a escova do cabelo em cima da sua mesa-de-cabeceira e correu até à secretária para ir buscar uma folha de papel e uma caneta. Depois sentou-se na cadeira, cruzando as pernas, e começou a escrever, com um ar muito compenetrado.
            - OK… precisamos de música, de bebidas e de petiscos… achas que consegues convencer o teu padrinho a deixar-nos trazer isto para o quarto? - Perguntou-me Sophie.
            - Se pedir com muito jeitinho acho que sim… mas sabem, eu odeio abusar da confiança dele…
            - Podes passar ao estado de santinha mártir depois da festa, por favor? Temos planos a cumprir! - Disse Niza, de olhos semicerrados.
            - OK, OK, eu peço-lhe. - Revirei os olhos.
            Não me sentia capaz de as impedir de se divertirem. Eu adorava ver Niza e Sophie a sorrirem. E dançar com elas também conseguia animar-me por isso o plano até era capaz de ser bom.
            - Depois do jantar vimos para o quarto, porque só podemos ter a música ligada até à uma da manhã. Trazemos o Ryan para aqui, damos-lhe a prenda e tudo o resto… vai ser muito fixe. - Disse Sophie, animada.
            - Também acho. - Concordou Niza.
            - Se vocês acham que vai correr tudo bem… eu acredito. - Encolhi os ombros despreocupadamente.
            - Sabes Kiara… o Ryan vai ficar muito contente por poder comemorar o aniversário contigo. - Sorriu Niza.
            - Isso tem algum motivo especial? - Perguntei.
            - Claro! Tu fazes parte do nosso grupo. E ele gosta mesmo de ti sabes… não tanto quanto nós as duas gostamos, mas mesmo assim é muito. - Riu-se Sophie, e apesar de ela estar a rir eu sabia que estava a dizer a verdade.
            Sorri e levantei-me, pegando numa almofada da minha cama.
            - Ai vocês gostam de mim? - Ri-me maldosamente.
            - Gostamos muito! - Niza desatou a rir às gargalhadas e pegou numa das almofadas da sua cama.
            E quando Sophie se juntou a nós, começámos a luta das almofadas. Fiquei a lutar contra as minhas duas melhores amigas durante mais de meia hora.
            - Pronto… já chega… - Suspirei, cansada.
            - Não consegues vencer-nos Kiara! És uma desistente! - Riu-se Niza.
            Bateu na mão aberta que Sophie lhe estendia e riram-se as duas de mim. Eu revirei os olhos. Nunca tinha pensado que pudesse gostar tanto de ouvir as gargalhadas de alguém.
            - OK, OK… vocês são imbatíveis meninas.
            Elas ficaram contentes com o elogio e depois voltámos às nossas actividades anteriores, até tocar o sino para a entrada da aula.
            Agora vinha a parte mais complicada: convencer o meu padrinho.


            - Tu queres o quê?!
            - Por favor John, é mesmo muito importante.
            - Não sei…
            Estava no gabinete dele, com Chris ao meu lado, a tentar convencê-lo a deixar-nos fazer a festa para o aniversário de Ryan. E o meu padrinho nem se opunha muito a que lhe déssemos a prenda… mas não estava com vontade nenhuma de nos deixar levar as bebidas para dentro do quarto.
            - E além disso vais ter de sair do castelo para as comprar! Já sabes que eu não gosto nada que saias…
            - Eu sei, mas o Chris vem comigo.
            - Eu tomo conta dela, Mr. Clarckson, pode estar descansado.
            - Eu sei que tomas… - E depois interrompeu-se quando eu olhei fixamente para ele. John não podia levar a conversa para o terreno da Kalissa, ou Chris ia começar a desconfiar.
            - Então posso ir? Por favor?
            - Está bem… vai lá… mas quero que voltem antes das dez da noite, ouviste? Eu sei onde vocês estão e se não voltarem teremos problemas. - A sua voz adoptou o tom de qualquer pai contrariado.
            Sorri, sentindo o poder vitorioso dentro de mim, e Chris pegou na minha mão, recuando.
            - Nós despachamo-nos.
            E saímos dos aposentos do meu padrinho quase a correr. Passámos pelo meu quarto antes de sairmos, para eu ir buscar um casaco mais quente. Tinha passado todo o dia a chover e ainda não devia ter parado.
            - Achas que o Ryan desconfia de alguma coisa? - Perguntei.
            - Não. A Sophie distrai-o o suficiente para ele não poder lembrar-se que vai fazer anos daqui a dois dias.
            Ri-me e ele ajudou-me a vestir o casaco. Depois beijou-me ternamente e eu tive de recuar antes de ficar embrenhada de mais na sua carícia.
            - Não te entusiasmes. Temos uma missão para esta noite.
            Ele revirou os olhos e saímos do meu quarto, desatando a correr enquanto atravessávamos o corredor e descíamos as escadas. Alguns alunos deambulavam por ali, principalmente os mais novos, e ficaram espantados ao ver-nos sair pelas portas principais, mas não disseram nada e eu não tinha tempo para pensar nas opiniões deles. Tínhamos jantado há meia hora - por isso agora deviam ser perto das oito da noite, e eu queria voltar antes das dez horas para não arranjar chatices com o meu padrinho.
            Saímos pelo grande portão de ferro e lançámo-nos a descer a rua a toda a nossa velocidade. Tal como eu pensara, estava um frio de rachar.
            Assim que chegámos ao centro comercial, abrandámos o passo. Chris rodeou os meus ombros com o seu braço e apertou-me contra si.
            - OK… podemos ir àquela loja de ténis onde fomos por altura do Halloween. Acho que tem lá alguns pares fixes.
            - Sim, vamos aí.
            Eu não estava preparada para andar às compras com Chris. Aliás, era algo que nunca me passara pela cabeça fazer, mas também não me atreveria a vir comprar ténis para Ryan sem a opinião de um rapaz a ajudar-me. E Chris era amigo de Ryan desde que ambos tinham entrado para o colégio, ou seja, há mais de dois anos. Por isso sabia perfeitamente os gostos dele. Mas nunca me passou pela cabeça que fosse tão difícil agradar-lhe.
            Durante mais de hora e meia passámos por todas as lojas do centro comercial que pudessem ter ténis, mas Chris nunca mais se decidia, e aqueles de que ele gostava eu odiava. Até que, quando faltavam menos de vinte minutos para as dez da noite, eu me virei para ele e disse:
            - Ouve, temos de nos despachar por isso escolhe logo um par e vamos embora! De certeza que o Ryan vai adorá-los.
            - Está bem, vai lá buscar uns ao teu gosto.
            Fiquei contente por ele me deixar escolher. Fui buscar o par que mais tinha gostado e depois paguei. Felizmente o dinheiro das minhas poupanças, das de Sophie e Niza chegou para pagar os ténis. E assim que fiquei despachada da tarefa de comprar a prenda, suspirei.
            - Pronto. Vamos para casa. - Sorriu Chris.
            Eu estava cansada. Tinha sido um dia muito intenso. O teste tinha corrido bem mas eu estava com uma dor de cabeça enorme e precisava de dormir. Ainda por cima doíam-me os pés por andar tanto de um lado para o outro à procura dos ténis perfeitos para Ryan. Agora precisava de vestir o meu pijama e enfiar-me na cama.
            Chris praticamente arrastou-me rua acima até ao castelo. Ele não parecia nada cansado. Devia ser normal para ele cansar-se tanto durante um dia só, principalmente com os treinos da equipa. Chris era um jogador fantástico.
             Quando entrámos, dirigimo-nos logo ao meu quarto. Sophie levantou-se da sua cama ao ver-nos chegar e correu até mim.
            - Arranjaste os ténis?
            - Sim, estão aqui.
            Chris riu-se baixinho. Se Sophie adivinhasse a maçada que tinha sido a nossa noite não ficaria tão feliz. Tirou-me o saco das mãos e viu os ténis. Os seus olhos arregalaram-se de espanto.
            - Oh meu deus, são tão fixes… nem acredito que o meu Ryan vai andar com eles calçados!
            Ri-me e deixei que os braços de Chris me enlaçassem. Encostei a cabeça ao seu ombro e fechei os olhos por uns momentos.
            - Precisas de dormir querida. - Disse ele.
            - Podes ter a certeza que sim.
            Procurei os seus lábios e beijei-o em jeito de despedida. Depois ele afastou-se e sorriu às minhas duas amigas.
            - Até amanhã meninas.
            - Adeus Chris! - Disseram elas em coro.
            Chris saiu, fechando a porta, e eu suspirei enquanto me aproximava do roupeiro e ia buscar o meu pijama. Troquei rapidamente de roupa e depois enfiei-me dentro da cama.
            Nem quis saber se as luzes ainda estavam acesas, ou mesmo de Niza e Sophie continuavam a falar. O simples facto de ter a cabeça deitada na almofada foi o suficiente para me fazer adormecer profundamente.


            Os dois dias que faltavam para o aniversário de Ryan passaram numa correria doida. Ele andava desconfiado - claro, era fácil perceber pela expressão histericamente sorridente de Sophie que ela andava a armar das suas - mas eu não lhe contei nada. O meu padrinho acabou por deixar que comprássemos as bebidas e os aperitivos e Niza ficou encarregue de os ir buscar na tarde de quarta-feira, dia 14 de Novembro.
            Na noite de terça-feira, Chris veio dormir comigo no meu quarto. Sophie e Niza também lá ficaram mas fizeram o excelente favor de quase ignorar a presença do meu namorado. Quando nos deitámos, eu sentia-me demasiado eléctrica para dormir. Na manhã seguinte era o aniversário do meu amigo e eu queria que tudo corresse bem. Chris deixou-me deitar a cabeça no seu braço e fechou os olhos. Ele também andava cansado. Os treinos da equipa e os testes davam cabo dele. Fiquei a vê-lo dormir a noite toda, uma vez que eu não o conseguia fazer. Sentia-me bem deitada ali ao lado dele, nada nervosa. Era naqueles momentos que eu sentia que Chris era a pessoa perfeita para mim. Passei a mão pelo seu cabelo, muito lentamente para não o acordar. Até agora estava a correr tudo bem. Nós não dávamos muito nas vistas e por isso Mariah e Brand não descobriam que nós namorávamos. Eu sentia-me mal por estar a obrigar Chris a esconder o namoro comigo. Afinal de contas nós não tínhamos feito nada de mal para termos de manter a nossa relação em segredo!
            Mas eu faria tudo para que Kalissa não o magoasse. Tentei mais do que nunca manter o controlo durante essas semanas se que seguiram ao Halloween. Se ela fora capaz de se aproveitar na noite da festa eu nem queria pensar no que ela seria capaz de fazer se ganhasse o poder durante mais tempo. Estremeci só de pensar no que ela podia fazer com Chris… ela era ousada e perversa o suficiente para o levar a fazer coisas de que se arrependeria depois. Fechei os olhos e inspirei fundo. Não podia pensar naquilo.
            - Kia?
            Abri os olhos. Chris parecia preocupado comigo.
            - Sim?
            - O que se passa? - Murmurou, desconfiado.
            - Nada… porquê?
            - Estás a tremer como varas verdes!
            Ah… então ele tinha notado…
            - Tenho frio. - Menti.
            Ele não acreditou, claro está, mas aproveitou-se da situação.
            - Vem cá, já aqueces.
            Aninhei-me melhor nos seus braços e passados menos de dois minutos Chris já tinha adormecido outra vez. Suspirei. Tinha de começar a dar menos nas vistas ou ele ia ficar cada vez mais desconfiado.
            Acabei por adormecer, mas não dormi mais de três horas até o despertador de Niza começar a tocar, fazendo com que Chris acordasse sobressaltado.
            - Desculpem! - Riu-se ela, atirando o aparelho ao chão.
            Chris afastou-se para que eu me pudesse levantar. Depois reparei que Sophie já estava quase pronta.
            - Madrugaste hoje. - Sorri-lhe.
            - Pois foi! Quero fazer uma surpresa ao Ryan!
            E sem dizer mais nada, saiu a correr do quarto. Eu olhei para Niza e ela riu-se baixinho.
            - Ela quer ser a primeira a dar-lhe os bons-dias.
            Chris levantou-se, beijando-me carinhosamente.
            - Pois, e agora como é que eu faço? Tenho de me arranjar e não posso ir lá ao quarto interrompê-los…
            - Pois, realmente não dá assim muito jeito.
            Niza riu-se. Por que é que naqueles assuntos eu era sempre a última a saber? Nesse instante ouvimos bater à porta e Peter entrou, parecendo mal-humorado.
            - Olá Peter! - Sorriu Niza.
            - Oi… posso ficar aqui? A Sophie está toda cheia de mimos para o Ryan. - E revirou os olhos.
            - Claro! Olhem, eu vou tomar banho, já volto. - Disse Niza.
            Levantou-se e foi para a casa de banho, enquanto Peter se deixava cair de barriga para baixo em cima da cama dela. Chris olhou para mim.
            - Parece que eu também não poderei ir interromper os pombinhos.
            - Não gozes. Se estivesses no lugar do Ryan não quererias que ninguém nos fosse interromper.
            - Podes crer que não…
            Beijou-me fervorosamente, enquanto eu colocava os braços em volta do pescoço dele.
            - Oh pessoal, parem lá com isso! Fugi de um quarto para não ter de levar com tanto mel, venho para aqui e encontro o mesmo?!
            - Cala-te Peter. - Dissemos eu e Chris em conjunto.
            E Peter revirou os olhos e virou-se na cama, parecendo ir adormecer logo de seguida. Eu levantei-me e puxei Chris comigo.
            - Vamos ter de entrar no teu quarto para ires buscar roupa lavada. - Ri-me, e vi a expressão de negação no rosto de Chris, que lentamente passou para resignação.
            - Sim. Lá vamos nós em missão de reconhecimento no território inimigo. - Disse o meu namorado, sarcasticamente.
            Seguimos para fora do meu quarto, atravessando o corredor a correr até chegarmos ao dormitório dos rapazes. Batemos à porta e só passado algum tempo é que Ryan veio abrir.
            - Parabéns! - Desejei, abraçando-o.
            - Oh, obrigada. - Sorriu ele.
            - Vim só buscar roupa, já saímos. - Disse Chris, entrando rapidamente no quarto e dirigindo-se ao seu roupeiro.
            Tirou uns jeans e uma camisola de manga comprida e voltou comigo para fora do quarto.
            - Então até já. - Despedi-me de Ryan.
            Voltei com Chris para o meu quarto. Niza ainda estava a tomar banho e Peter adormecera profundamente.
            - Bem… teremos de esperar… isto hoje vai ser mesmo à risca. - Disse para Chris.
            Quando Niza saiu da casa de banho eu fui tomar banho bem depressa, tentando não me demorar muito, e depois vesti-me. Chris e Peter tinham ido para o quarto deles arranjar-se uma vez que Sophie voltara para ali. Estava super feliz.
            - Como correu?
            - Bem! Espero que ele goste do presente logo à tarde…
            Quando ficámos prontas descemos para o salão de refeições para tomarmos o pequeno-almoço. E o dia passou-se como qualquer outro, com a diferença que cantámos os parabéns ao Ryan mais de vinte vezes. Sophie não perdeu o entusiasmo durante todo o dia, parecia estar ligada à corrente eléctrica, a sua energia não acabava.
            Depois do jantar, e tal como combinado, fui buscar as bebidas e os aperitivos ao quarto/escritório do meu padrinho, onde os tinha deixado, e levei-os para o quarto de Ryan, onde o meu grupo já estava reunido, a ligar a música e a arrumar as coisas para termos espaço para dançar. Assim que pousei as coisas em cima da secretária dos rapazes, Niza pegou-me na mão e puxou-me consigo para o meio da "pista de dança improvisada" e começou a dançar comigo. E eu deixei-me levar, porque afinal de contas, era uma festa.
            E eles sabiam divertir-se!
            Até à uma da manhã não fizemos mais nada além de dançar uns com os outros e beber as sete garrafas de Coca-Cola e as cinco de cerveja que tínhamos comprado. John nem tentara opor-se a deixar-nos comprar aquilo porque sabia que nos queríamos divertir à séria. E foi isso mesmo que aconteceu. Dancei até já não poder mais, com Chris, Niza, Sophie, Peter e Ryan, que estava super entusiasmado com a surpresa que tínhamos organizado para ele.
            Perto da uma da manhã, e para não irritar os guardas do colégio, baixámos o volume da música quase até ao mínimo e sentámo-nos no tapete do chão, a formar um círculo, com as garrafas ao pé de nós.
            - Ora bem, está na hora de abrires os presentes! - Disse Niza, saltitando até à cama de Peter, sobre a qual os sacos estavam pousados.
            Ryan ficou animado com a ideia de receber prendas. Quando desembrulhou os ténis que eu, Niza e Sophie lhe tínhamos comprado, os olhos iam-lhe saltando das órbitas.
            - Boa! Hei, obrigado meninas… são mesmo fixes!
            Eu bem via os seus olhos a brilhar de entusiasmo. Parecia que o meu gosto misturado com o de Chris era perfeito para as prendas de Ryan. Ele beijou Sophie apaixonadamente e depois abriu a prenda de Chris e Peter. Era um relógio desportivo que lhe ficava mesmo bem no pulso. Sophie elogiou-o mais que mil vezes.
            - Vamos fazer um brinde! - Sugeriu Peter.
            Pegámos todos numa garrafa de cerveja e elevámo-las no ar acima das nossas cabeças.
            - Ao Ryan! - Dissemos todos em conjunto.
            Depois o tchim-tchim do vidro a bater em vidro fez-se ouvir por uns segundos. Bebi metade da cerveja de uma só vez e depois desatei-me a rir. Nunca fora muito o meu género consumir bebidas alcoólicas. Isso era o que Kalissa gostava de fazer. Uma vez tinha sido apanhada a conduzir bêbeda em plena estrada principal, mas claro que as culpas tinham vindo parar para cima de mim. Mas ali dentro não havia o mal de eu causar acidentes de viação. O único problema seria a ressaca da manhã seguinte, mas tentei nem me preocupar com isso.
            Quando acabámos as cervejas, Sophie levantou-se meio cambaleante.
            - Tenho uma ideia! Vamos jogar às escondidas!
            Eu fiquei a olhar para ela sem perceber onde queria chegar. Ela queria jogar às escondidas? Como? O quarto nem era assim tão grande… e além disso nós já não tínhamos idade para jogarmos às escondidas.
            - Onde Sophie? - Perguntou Chris, percebendo a dúvida no meu olhar.
            - Oh por favor, ainda não perceberam que temos o castelo inteiro por nossa conta? - Riu-se ela.
            Eu estava prestes a dizer que não, que nem lhes passasse pela cabeça sugerir jogar às escondidas pelo castelo todo, quando Peter se pôs também de pé.
            - Que bela ideia! É isso mesmo! Ryan, ficas tu a procurar.
            - Mas… - Resmunguei.
            - Não sejas desmancha-prazeres Kia! Anda daí! - Chris levantou-se e pegou na minha mão.
            Arrastaram-me para fora do quarto. O corredor estava escuro como breu e eu arrepiei-me. Fazia frio e não se ouvia um único som. Mas os meus amigos estavam demasiado entusiasmados para se deixarem vencer por isso.
            - Separem-se! Ele não nos pode encontrar! - Riu-se Sophie baixinho.
            E depois começou a correr para o fundo do corredor, com o cabelo cor de chocolate a ondular à sua volta. A sua gargalhada infantil ouviu-se até ela desaparecer do meu campo de visão, ao descer a escadaria a correr à sua velocidade máxima. Eu sabia que aquilo não era boa ideia mas era tarde de mais para tentar convencê-los a voltar para dentro do quarto. Por isso deixei que Chris me puxasse consigo pela divisão fora, descendo as escadas a correr quase tanto como Sophie.
            - Vamos para a biblioteca, ele não nos vai procurar lá! - Segredou-me.
            Niza e Peter também desapareceram na escuridão. Eu sentia o coração a bater depressa devido à adrenalina de quebrar as regras. Sorri, sentindo-me bem por estar a fazer aquilo. Nem consegui pensar que John se chatearia comigo se nos apanhasse. Comecei a correr também com Chris em direcção à biblioteca.
            Mas no caminho para lá, começámos a ouvir um barulho esquisito. Eu travei-o, empurrando-o de encontra a parede e obrigando-o a ficar lá calado, enquanto lhe colocava uma mão em frente dos lábios para o silenciar. Depois olhei para as sombras lá do fundo, tentando perceber o que se estava a passar. O som repetiu-se. Parecia… uma respiração…
            Seria Sophie? Ou Niza, ou Peter? Quem estaria ali a pé durante a noite?
Mas Chris não me deu tempo para pensar. Agarrou em mim ao colo e correu para dentro da porta mais próxima, sem sequer se lembrar se podíamos entrar ali ou não. Felizmente, era só uma sala de aula. Pousou-me no chão e pegou na minha mão, puxando-me consigo para debaixo de uma das mesas mais ao fundo da sala. Abraçou-me e fez-me sinal para ficar calada. Eu bem podia não falar, mas o meu coração batia tão alto como um tambor e de certeza que Chris o podia ouvir, bastante apressado.
            Um clarão de luz iluminou a sala. Eu arrepiei-me de medo.
            - Tem calma… é só uma lanterna… deve ser um guarda que anda por aí… - Segredou Chris ao meu ouvido, tão baixinho que eu tive dificuldade em ouvi-lo.
            A luz desapareceu tão depressa quanto tinha surgido e os passos afastaram-se para longe. Suspirei de alívio e afastei-me um pouco de Chris, respirando fundo para me acalmar.
            - Vamos. - Disse ele.
            Saímos do nosso esconderijo e atravessámos a sala em bicos de pés. Espreitei para o corredor, tentando ouvir ou ver alguma coisa, mas este voltara a ficar silencioso. Chris puxou-me consigo e atravessámos o longo corredor até chegarmos a um novo lance de escadas, que subimos em pontas dos pés, sem fazer qualquer ruído.
            De repente ouviu-se uma gargalhada histérica.
            Eu tropecei com o susto e Chris teve de me erguer nos seus braços para eu não me estatelar pelas escadas abaixo. Tapei a boca com ambas as mãos para conter os soluços do susto e ele ajudou-me a subir as escadas. Quando chegámos a um novo corredor parámos, à escuta.
            - Apanhaste-me! - Riu-se Sophie.
            Oh raios! Ela não sabia estar calada?! Mas bêbedos como todos estávamos, era natural que não. Ela nem se lembraria que devia ficar calada. Chris revirou os olhos com sarcasmo e puxou-me consigo devagar pela passagem fora. Eu sentia as mãos a tremer de ansiedade.
            Aqueles corredores nunca me tinham parecido tão assustadores. Eu só desejava chegar ao destino em segurança.
            Ao fim de mais dez minutos a tentar andar depressa sem fazer barulho, chegámos à gigantesca biblioteca do castelo e entrámos. Seguimos para trás de uma grande estante de livros e eu sentei-me no chão, com a cabeça a andar à roda.
            - Kia?
            - Estou bem… - Murmurei.
            Chris soltou uma gargalhada baixa, um som gutural que o fez parecer ameaçador por momentos - que estranho, ele nunca me tinha parecido isso - e acocorou-se junto a mim.
            - Está tudo bem, agora só temos de esperar mais algum tempo.
            Mas Ryan nunca mais vinha. Esperámos, e esperámos, e eu comecei a sentir-me cansada. O efeito de energia da cerveja estava a passar e agora sobrava apenas a sensação de moleza.
            - Vamos. Ele não se vai lembrar de procurar aqui, com tantas portas à sua escolha pelo castelo fora. - Disse Chris, levantando-se e ajudando-me a fazer o mesmo.
            E muito silenciosamente, fizemos o caminho de volta até ao quarto dos rapazes. Ainda apanhámos um susto valente quando vimos um novo clarão de luz aparecer ao fundo de um dos corredores, e escondemo-nos dentro de outra sala de aula. Deixámos o guarda passar e depois continuámos o caminho até ao dormitório. Eu já me sentia novamente acordada e alerta, por estar em movimento.
            Finalmente, a porta do quarto de Chris, Peter e Ryan apareceu lá ao fundo e apressámo-nos na direcção dela. Chris suspirou de alívio.
            - Devemos ser os primeiros a chegar à casa base. - Riu-se.
            Mas ao abrir a porta, o que vimos deixou-nos de queixo caído.
            As luzes estavam acesas e Ryan e Sophie estavam sentados na cama dele, com ar abatido. John e dois dos seus corpulentos guardas estavam a vigiar os meus amigos. Ao aperceber-me que tínhamos sido apanhados, entendi também que íamos ser castigados. Engoli em seco enquanto a minha cabeça procurava desesperadamente uma maneira de fugir à situação. Mas não havia maneira nenhuma.
            - Olá Kiara, Chris. Entrem. - Vociferou o meu padrinho.
            Eu segui lentamente até à cama de Chris e sentei-me lá com ele, de frente para Sophie. Ela estava bastante corada, com um ar envergonhado. Tinha sido por culpa dela que fôramos apanhados. Mas eu nem pensei em massacrá-la. Estava demasiado bêbeda para conseguir fazer isso.
            - Vocês estão metidos numa grande alhada, podem ter a certeza. - Rugiu John, furioso.
            - Desculpe… - Murmurou Ryan.
            - Não há desculpa para isto! Vocês não podiam ter quebrado as regras do colégio! É extremamente proibido andar pelos corredores a meio da noite!
            Eu pensei numa solução rápida mas só me lembrei de uma, que jamais utilizaria: podia fazer-me passar por Kalissa, tal como ela se fazia passar por mim. Mas para isso eu teria de revelar o meu segredo e não queria fazê-lo. No entanto, era a única maneira de não ficarmos de castigo. Levantei os olhos e cravei-os em John.
            - A ideia foi minha. - Tentei dar à minha voz um ar mais determinado.
            Durante os terríveis segundos que se passaram, ele não disse nada, como se tentasse averiguar a veracidade das minhas palavras, mas depois pareceu entender aquilo que eu estava a dizer. Depois os seus olhos arregalaram-se de espanto, ao cair na minha armadilha. Senti-me mal por o estar a enganar. John era aquele a quem eu prometera nunca mentir, e agora tinha de fazê-lo para proteger os meus amigos.
            "Mentir para proteger aqueles que amava" parecia ter-se tornado no lema da minha vida.
            - Eu é que dei a ideia de jogarmos às escondidas. E o que vai fazer agora? Castigar-nos?
            Chris olhava chocado para mim, sem saber como eu podia dar-me ao desplante de falar naquele tom com o director do colégio. John cerrou as mãos em punhos e ficou novamente zangado.
            - Não tens o direito de quebrar as regras quanto te apetece!
            - Pois sim. Mas é o aniversário do meu amigo. Temos direito de nos divertir pelo menos uma vez. Além de que não matámos nem magoámos ninguém, certo?
            Eu não sabia como estava a conseguir aguentar-me. Sabia que estava a desempenhar bem o meu papel, pelas expressões de choque e assombro nos rostos de Chris, Ryan e Sophie, e a minha voz estava a sair perfeitamente autoritária e convencida como a de Kalissa seria certamente.
            - Vocês não podem passar por isto e sair impunes! - Zangou-se John.
            - Oh por amor de deus, vá castigar antes os miúdos que faltam às aulas ou saem do colégio sem autorização no fim-de-semana! Nós não fizemos algo assim tão mau.
            John recuou perante o poder ameaçador dos meus olhos. Era fácil moldar o meu padrinho.
            - Você sabe aquilo de que eu sou capaz. Não me faça perder a cabeça. - Rosnei baixinho, como uma leoa perigosa.
            John elevou o queixo em jeito de rendição e fixou-me de olhos semicerrados pela raiva.
            - Eu sei disso. Por esta vez estão safos, mas nem penses que voltas a fazer algo deste género.
            Até os guardas estavam estupefactos a olhar para o patrão, quando ele saiu do quarto em passo determinado, obrigando os dois homens a segui-lo e fechando a porta com força. Assim que ele saiu eu deixei-me cair para trás na cama e fechei os olhos, suspirando de alívio.
            Agora estava provado: Kalissa conseguia fazer-se passar na perfeição por mim, mas eu também conseguia imitá-la bastante bem.
            - Kia…
            Chris ainda estava demasiado espantado para que a sua voz saísse em condições. Eu fiz um esforço para abrir os olhos.
            - Sim?
            - Como é que conseguiste fazer aquilo?!
            Suspirei. O cansaço e os nervos estavam a abater-se de novo sobre mim. Sophie fixava o olhar em mim, à espera de uma resposta.
            - Por vezes temos de fazer coisas que não queremos. E eu não podia permitir que ficássemos todos de castigo. Amanhã isto passa-lhe.
            Ryan assentiu e levantou-se.
            - Obrigado por nos teres safo. - Sorriu-me.
            - De nada. Vocês também me ajudam sempre que preciso.
            Peter e Niza entraram nesse momento no quarto, e enquanto Sophie e Ryan os punham ao corrente da minha encenação, Chris deitou-se ao meu lado na sua cama, sem sequer nos taparmos com nada, e eu aconcheguei-me nos seus braços quentes e fortes.
            - És uma óptima actriz meu amor.
            Arrepiei-me. Aquilo tanto podia ser um elogio como um insulto, se ele soubesse que eu interpretava um papel na maior parte do tempo. Que nunca podia ser eu mesma junto dele nem contar-lhe os meus segredos.
            - Desta vez teve mesmo de ser.
            Ele sorriu-me apaixonadamente, aquele sorriso que eu mais amava nele, que me deixava na lua.
            - Mesmo assim, continuas a ser óptima naquilo que fazes.
            - Obrigada. Boa-noite Chris.
            - Boa-noite Kia.
            Beijou-me docemente e depois começou a fazer-me festinhas no cabelo até eu adormecer.





1 comentário:

  1. Oi! Estava procurando por um livro da L. J. Smith, e achei esse site por acaso. Muito bom! Está de parabéns. Sou brasileira, então tive um pouco de dificuldade com certas palavras, mas adorei a história. Devia publicá-la. Também escrevo alguns contos, mas nada além de 50 páginas. Rsrs. Ainda estou no primeiro capítulo, mas se percebe quando a história é de qualidade. Podia por um tradutor no blog, assim pessoas de outras nacionalidades conseguiram ler a história de Kiara. Vou recomendar para todos, parabéns!

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